[dropcap]B[/dropcap]om, Amigos Para Sempre é um filme impossível de não ser comparado com o seu original, Intocáveis. Aliás, a primeira pergunta que surge é: por que refazer um trabalho magnífico (e recente) e entregar algo que estará sempre à sombra de seu antecessor? A segunda pergunta é: por que Kevin Hart e Bryan Cranston no elenco?
Essas perguntas surgem porque os trabalhos de Omar Sy e François Cluzet criam uma dinâmica tocante desde a primeira cena, que revela a cumplicidade entre os dois, algo primordial para todo o filme que segue para entendermos como surgiu essa inesperada amizade. Em Amigos Para Sempre essa questão não existe, o que já não justifica o flashback de seis meses atrás. A cena é a mesma, mas ela não tem o mesmo efeito. Aliás, o título original e traduzido do filme francês não precisa mencionar a amizade entre os dois porque ela é óbvia. No remake o título brasileiro (no e original é “The Upside”) tenta claramente tentar remendar o serviço nos dizendo sobre o que a história deveria tratar.
E este é apenas o começo. Eu poderia fazer comparações com praticamente qualquer detalhe dos dois filmes e isso aos poucos revelaria a mediocridade por trás da indústria de remakes americana, incluindo, por exemplo, até sua estéril e genérica trilha sonora dando lugar à mais arriscada e acertada trilha de Ludovico Einaudi no filme francês.
Mas não farei isso, continuar com as infinitas comparações, pois apenas diminuiria este novo trabalho e o esforço de seus atores e roteirista, que a despeito de uma direção maçante que se entrega ao óbvio, merecem nossa admiração por tornar este projeto minimamente interessante. O quase estreante no roteiro Jon Hartmere pega praticamente todo o trabalho da dupla de diretores/roteiristas franceses em torno do tratamento que as pessoas dão aos mais fragilizados e o transforma em um filme sobre amizade, basicamente. E é graças a Cranston e Hart que isso não se torna um completo desastre.
De qualquer forma, verbalizo a implícita dica deste texto: assista ao original. Se já viu, veja mais uma vez. Mas não deixe de ver como Amigos Para Sempre pode ser muito melhor. Ter uma alma. Mas, claro, como todo cinéfilo, veja este filme também. É uma oportunidade, quase única, para apurar nosso senso estético, observar tratamentos diferentes ao mesmo material.
Kevin Hart obviamente não é um substituto para o gigante Omar Sy, e essa observação vale tanto para sua estatura física quanto suas qualidades de atuação. Sy consegue ser cômico sem perder o respeito (também, daquele tamanho e com aquela atitude…). Hart é o lado cômico com um leve traço de melancolia. Leve demais. Ele faz o possível com o seu Dell, um sujeito que realizou muitos erros na vida para conseguir dar a volta por cima. O único que parece apostar no rapaz é quem não tem muito a perder: Phillip, o milionário tetraplégico que nas mãos de Cranston também perde parte do seu charme aristrocrata visto nas mãos de François Cluzet, mas que ganha com a cara de cachorro abandonado (embora não muito confiável) de Cranston.
Os dois precisam trabalhar nas sombras de Sy e Cluzet, e a direção de Neil Burger não os ajuda em nada. Dirigido no piloto automático, o filme usa constantemente externas para a passagem do tempo e não consegue utilizar a câmera para situar o estado de espírito de seus personagens. Vagamente idealizado, o design de produção combina com a direção geral do filme, que assume um caráter de seriado do começo ao fim.
Como havia falado, este é o Intocáveis sem alma, sem apelo. Sem necessidade de ser. Ele poderia ser um filme de matinê a ser esquecido na única semana em cartaz, mas será para sempre lembrado como uma versão piorada de um outro filme que já vive em nossos corações.
“The Upside” (EUA, 2018), escrito por Jon Hartmere, dirigido por Neil Burger, com Kevin Hart, Bryan Cranston, Nicoke Kidman e Julianna Margulies.