Cinefilia Crônica | Gire a Terra, Superman


[dropcap]M[/dropcap]uita gente torce o nariz para uma das cenas mais icônicas do cinema. Com certa razão: ver Superman girando a Terra para voltar no tempo e salvar a vida de Lois Lane pode ser considerada uma manobra narrativa “trash” dos roteiristas.

Eu não reclamo. Quem se alimentou da TV aberta entre os anos 1990 e 2000 sabe que há algo divertido no “trash”. Pergunte sobre os grandes momentos bizarros da televisão tupiniquim nessa época, dos grandes aos pequenos canais, e serei capaz de trazer detalhes que você não recorda.

Particularmente, vejo muita beleza no filme de super-herói mais marcante para mim. O rosto irado de Christopher Reeve no papel do melhor homem de aço que já existiu, a negação ao ver a morte da mulher amada (sem bagunçar o cabelo), o voo apaixonado com efeitos especiais maravilhosos e muito mais bonitos que os computadorizados de nossa época, a voz de Marlon Brando com um alerta sobre interferências. Por fim, a Terra girando e a fita rodando ao contrário. Tudo solucionado, o final será feliz, como de praxe.

A mesma injustiça que o destino reservou a Reeve é repetida pelos que condenam o artifício de girar nosso planetinha em vias de extinção no sentido inverso para voltar no tempo e corrigir erros. Tudo bem, a ciência explica que o procedimento do homem com a cueca por cima da calça não seria suficiente para retornar ao passado, mas a ficção tem seu charme.

Pode ser uma grande piada com a cara de todos nós, seres humanos. Considerando que o Superman nos enxerga como inferiores e patéticos, criando em um Clark Kent inseguro e bobo a perfeita caricatura, não duvido que o recurso nessa cena não seja nada além de uma grande lição de que arrependimentos são tão inúteis quanto a espera por super-heróis resolvendo problemas de uma hora para outra. Não há chance de retorno, o tempo só anda para frente.

As coisas seriam diferentes se tivéssemos o poder sobre essa bola azul e gigante, flutuando no espaço, em velocidade suficiente para rebobinar a fita da vida. Sem esse dom, a irresponsabilidade nos atos já é grande, mesmo sem chances de voltar atrás em cada erro grotesco. Com uma dádiva dessa, acho que a Terra nunca mais rodaria para o lado certo.

Tantos arrependimentos e omissões seriam deixados para trás. Quantas vezes não atravessaríamos a rua para não topar, meio que por acaso, com aquela pessoa que nos prejudicou tanto? Falaríamos muitas coisas bonitas e engavetadas para aquele parente que morreu assim, do nada, horas antes de sua partida sem volta.

Besteira, as coisas são como devem ser. É vida que segue. Mas, confesso: a cada retrocesso, a cada absurdo diário do país, a cada governante perpetuando desigualdades via canetadas… olho para o céu e busco um homem de roupa azul com capa vermelha, girando a Terra ao contrário.

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1 Comentário. Deixe novo

  • Compartilho da mesma opinião, mas seria interessante se pudéssemos em algumas situações especialíssimas encontrar no céu o homem de roupa azul e capa vermelha, girando a Terra ao contrário…

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