Existe um grande problema em 007 – Operação Skyfall (além do título equivocado, já que Skyfall não é uma operação). Um problema que prejudica não só esse novo filme do espião, mas famoso do cinema, mas todos seus outros 23: a presença de Sam Mendes e a impressão que tudo que veio antes se tornou um enorme desperdício narrativo.
Mendes (que ganhou o Oscar por Beleza Americana), mostra que um produto que sempre pareceu parco e raso, feito sob medida apenas para conseguir alguns bons resultados nas bilheterias e arrastar a marca “James Bond” pelas décadas, pode resultar em uma obra fina, surpreendente e relevante dentro do cinema (e não só pelo lado “filme de ação descartável”).
Não que o resto dessa enorme mitologia não tenha importância, todos vilões caricatos, bugigangas e geringonças, perseguições ao redor do globo e Bond girls ainda tem seu papel importante naquilo que era o personagem, mas Skyfall é, justamente, aquele divisor de águas entre esses dois mundos, o clássico e o novo. Entre Roger Moore e seus desprendimento narrativo e Cassino Royale (o de 2006), com herói para um novo século.
De modo inteligente e charmoso, Skyfall não deixa de ser uma sequencia direta dos outros dois filmes estrelados por Daniel Craig (que ainda continua sendo um James Bond menos interessante, mas já parecendo estar bem mais à vontade no papel), mas também, mostra que toda mítica que se criou ao redor do personagem não existe de graça. Então, nada de renegar o Martini “batido” nem o “Bond, James Bond”, muito menos a famosa Walter PPK e o Aston Martin (detalhes que os filmes anteriores tentaram fugir), mas, tampouco, tentar fazer um filme vazio e fragilmente estruturado. Skyfall tem uma profundidade que, provavelmente, nenhum outro filme conseguiu ter.
Logo de cara, por saber aproveitar a relação do agente com sua chefe, M, que vem sendo perfeitamente interpretada por Judi Dench desde 007 – Contra Goldeneye, cria uma trama que envolve diretamente não só ela, mas um dos lugares menos aproveitados pela franquia, o próprio MI-6 e a Inglaterra. Bond agora tem que enfrentar um vilão, Raoul Silva (Javier Bardem, sensacional, como sempre), um terrorista que parece fazer parte de algum momento do passado, não só de M, como da agência, e agora quer vingança.
Depois de ser movido pela agressividade em Cassino Royale e pela vingança em Quantum of Solace, esse novo James Bond agora tem que “tomar de seu próprio remédio”, diante de um vilão (que desde já entra para a categoria dos mais interessantes da franquia) que não parece ver limites para seu plano. Que vai (literalmente) até o quintal do personagem, sem hesitação, sem contar seu plano, nem poupar ninguém que fique em sua frente. É lógico que o trabalho de Bardem ajuda, mas o modo como Silva é criado (com a mão tremendo de uma das personagens só de pensar em seu nome) incomoda. Principalmente, àqueles acostumados com a simples dominação global, gatos brancos e pistolas de ouro. Entender o que move o vilão, e até aceitar seu ódio trágico incomoda o espectador tanto quanto não permite a James Bond ter o controle da situação.
É lógico que certo momento de Skyfall parece similar demais a um certo “palhaço do crime e um Cavaleiro das Trevas”, mas ainda assim, serve para mostrar que toda estrutura repetida à exaustão filme a filme por 50 anos, pode ainda surpreender. Mais ainda, o trio Neal Purvis, Robert Wade (ambos escrevendo o personagem desde o O Mundo não é o Bastante) e os três vezes indicado ao Oscar, John Logan, se esforçam para desconstruir o personagem ao mesmo tempo em que não têm medo de esbarrar em certezas absolutas que ele deve ter. Portanto, Skyfall é algo completamente novo, justamente, por saber aproveitar bem tudo aquilo que já foi feito.
Melhor ainda, por meio de um pequeno Mcguffin nos momentos iniciais, abre uma discussão sobre a verdadeira necessidade do serviço secreto (e consequentemente dos agentes 00) em um mundo atual. Sem cair na bobagem de “muito velho para isso”, mas, principalmente, para chacoalhar um cenário que sempre pareceu intacto demais por toda série de filmes. Ao mesmo tempo em que faz ser crível a fragilidade com que o próprio MI-6 não consegue enfrentar o vilão. Mas tudo isso, para obrigar o personagem a se redescobrir e provar uma novamente que está apto para o “Serviço de Sua Majestade”.
Skyfall não só usa esse subterfúgio como, pela primeira vez, cria um personagem falível, que não parece pronto para enfrentar aquele inimigo, mas que precisa provar aquilo que M defende, a existência desse mundo de sombras que não pode ser combatido de modo normal.
Mas ainda existe um nome que fecha os créditos iniciais e é imprescindível para se entender as razões do acerto de Skyfall: Sam Mendes. E talvez não só ele, mas ainda o diretor de fotografia Roger Deakins (famoso não só por suas 9 indicações ao Oscar, mas também por sua “velha” parceria com os irmãos Cohen), já que ambos criam um visual único e inesquecível para o filme. Talvez, atingindo um índice de maestria pouco (eu até diria nunca) alcançado em nenhum outro filme da série. Além de um controle enorme de cena e composição (com direito até a um esforço de Mendes para centralizar certos detalhes “à La Kubrick”), onde nada sobra, há ainda um jogo de iluminação lindíssimo.
Mesmo simplista, porém nunca desnecessário e arrogante, Mendes e Deakins passeiam pelo tal “mundo das sombras” em uma Xangai iluminada apenas por enormes painéis de propaganda, deixando Bond e seu adversário como apenas silhuetas vazias, assim como optam por um vermelho agressivo na Macau onde o espião descobre a existência do vilão, como se estivesse às portas de um inferno. Ao mesmo tempo em que neutraliza e mata tudo ao redor de Silva em sua ilha, como se nada vivesse ao seu redor, apenas o fogo às suas costas na conclusão, iluminando e dançando ao horizonte, enquanto Bond encontra toda frieza de seu verdadeiro caráter, cercado do preto do fundo de um rio, apenas azulado pelo reflexo do gelo. Ainda que diante de um filme considerado “descartável”, como os do personagem sempre são encarados, Mendes obtém um nível artístico e plástico que poderia, facilmente, constar na lista de qualquer premiação do cinema.
E para o deleite dos fãs (tanto antigos quanto novos) 007 – Operação Skyfall ainda acaba com um recado de Sam Mendes, um recado que mostra que, talvez, o personagem merecesse um pouco mais de cuidado e não só copias ou reboots. Pois o que ele faz é contar uma história que acaba, justamente, como um convite para quem vier a partir de agora fazer suas próprias obras (daí o clássico tiro em direção ao espectador só acontecer no final do filme). Ainda que quem fizer isso acabar com um enorme trabalho para superar Skyfall.
Skyfall(EUA/RU, 2012) escrito por Neal Pervis & Robert Wade e John Logan, dirigido por Sam Mendes , com Daniel Craig, Judi Dench, Javier Dardem, Ralph Fiennes, Naomi Harris, Albert Finney e Ben Whishaw.