Ainda que seja o vigésimo terceiro filme da franquia do maior espião da história do cinema, 007- Quantum of Solace só consegue ser uma continuação de seu antecessor Cassino Royale deixando a clara impressão de, na verdade, nem ao menos se propor a nada além disso. Quantum of Solace acaba aparecendo então como um elo entre esse “007 Begins” e sua fase clássica, termindando de apresentar o personagem para o novo milênio e recolhendo as pontas soltas do filme anterior. Talvez até para possibilitar que a franquia volte a andar com suas próprias pernas. Mas tudo isso tem seu preço, já que ele acaba se perdendo dentro de sua própria “modernidade”.
Começando por uma aparente esforço constante para renegar seu passado icônico, nesse novo filme, o personagem não repete seu “Bond, James Bond” por que ele ainda, aparentemente, não é James Bond, mas sim uma casca grossa amargurado que parece não deixar todo charme do personagem vir a tona. É lógico que essa lagarta se transformará em uma borboleta, mas essa impressão de descaso com toda mitologia do herói custa a ser engolida.
Essa tentativa de fechar as portas do passado do personagem não só o desfiguram, como fazem o mesmo com tudo a sua volta, desde suas “Bond Girls” até seus vilões. Como se já não bastasse a moça sendo abandonada no hotel em Cassino Royale, aqui o personagem dá de frente com um verdadeiro relacionamento platônico com a personagem vivida bela belíssima, mas nada de muito empolgante, Olga Kurylenko, que na verdade acaba usando o próprio agente para chegar em um objetivo pessoal. Atenção para isso: Bond, James Bond é, “usado” pela Bond Girl. Sinal do fim dos tempos?
E não é só isso, aquele 007 que teve inimigos como o Dr. No, Goldfinger, e até o anterior Le Chiffre, com suas lágrimas de sangue, agora ganha um franceizinho engravatado e baixinho que tomaria uma surra até da Moneypenny. É claro que o tal Dominic Greene, vivido por Mathieu Amalric (que não tem culpa pela falta de simpatia do vilão) é apenas a ponta de um iceberg a ser explorado, com a tal organização Quantum (não me pergunte o que é o Solace, só sei que foi retirado de uma citação de um livro do herói), mas o público que conhece o personagem, roga por pelo menos algo um pouco mais caricatural, atá um pouco mais estilizado. Não sobrando, e decepcionando, nem para um guarda costas melhorzinho.
Esse 007 do novo milênio não consegue nem ao menos se meter em uma trama mais divertida, já que, acaba dando de cara com um (acordes de suspense!) plano maquiavélico para explorar lençois freáticos na bolívia (fim dos acordes de suspense…), isso mesmo, assim sem muita emoção, nada de dominar o mundo ou roubar o Fort Knox, apenas explorar um país de terceiro mundo, (perdão, sub-desenvolvido) e seu povo. Coisa que na verdade já vem acontecendo no próprio país nos últimos anos. Provando que a tal Quantum, acaba se mostrando, no fim das contas, nem ao menos criativa.
Se por um lado, Quantum of Solace ainda fará muitos fãs torcerem o nariz pra a ausência de medalhões da franquia (cada um com suas razões narrativas, é preciso dizer), por outro, ele acaba explorando extremamente bem o relacionamento do agente secreto com sua chefe “M”, mais uma vez vivida por Judi Dench, criando uma profundidade muito bem-vinda para a personagem que, no fim das contas, acaba sendo um dos lados mais interessantes do filme. E, infelizmente, só não deixa espaço para mais pessoas dentro da agência ganharem a importância devida dentro da trama.
Mesmo por baixo de todas essas frustrações, Quantum of Solace ainda acaba tendo qualidades impossíveis de serem rebatidas, como seu ritmo frenético e toda ação que quase não deixará o espectador se lembrar de respirar. Marc Foster, o diretor, acaba mostrando que, mesmo com um passado formado por dramas todos para lá de sérios e complexos (como A Última Ceia e Mais Estranho que a Ficção), quando tem nas mãos possibilidades como a de 007 não faz feio.
Por mais que fique claro um aparente desespero de entrecortar a trama com perseguições em todos os meios de transporte e ambientes, assim não perdendo o espectador a procura de ação, ainda assim, acaba criando belíssimas sequencias apostando no clima da situação, deixando mais claro ainda que 007 tem um público alvo extremamente específico que grudará na caderia e ficará curtindo a adrenaliza. E ainda mais, se por um lado tem a “presença de espírito” de subjugar os sons de uma sequencia de tiroteio por uma ópera, como um balé de violência, no segundo seguinte parece se sentir obrigado a deixar os estampidos dos revólveres cortarem o silêncio, já que, aparentemente, a maioria do público não entrou na sala atrás de uma peça clássica, mas sim de tiros. Foster ainda consegue fazer um ótimo trabalho nas (já obrigatórias, graças a Jason Bourne) perseguições a pé com cara de dolorososas, cheias de tombos e machucados, deixando-as de um jeito sempre crível e numca perdendo a força visual.
Mas a grande verdade é que 007- Quantum of Solace é um filme que não vai decepcionar o grande público e talvez ainda empolgar os fãs mais xiitas que conseguirem ver ali o nascimento de um personagem. Além de poderem ver Daniel Craig se concretizar como um ótimo Bond, já mostrando que consegue segurar algo muito menos cerebral que o anterior, mas ainda sim, um que fica na média da maioria dos filmes da série, se permitindo vislumbrar um futuro bem bacana para o agente a serviço de vossa majestade.
“Quantum of Solace” (EUA/GB, 2008) escrito por Paul Haggis, Neal Pervis e Robert Wade, dirigido por Mark Forster, com Daniel Craig, Olga Kurilenko, Mathieau Amalric, Judi Dench e Giancarlo Gianinni.