O filme sobre o golpe militar da Coreia do Sul, 12.12: O Dia, não só foi o filme mais visto do ano 2023 no país, como se tornou a sexta maior bilheteria da história da Coreia. Não conseguiu estar entre os indicados ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2025 depois de ser a escolha do país, mas tem uma importância histórica importante, ainda que perca parte do interesse quando sai de seu território e chega para o resto do mundo.
Isso atrapalhará um pouco o espectador não coreano a mergulhar na história, afinal, o filme não está preocupado em posicionar a sua trama além da questão principal do filme: Quando o presidente é assassinado em 1979, o vácuo de poder abre espaço para um grupo de militares se organizarem em um golpe que os coloca no alto da estrutura do país.
O que vem antes ou em volta daquela situação, propositalmente não faz parte daquele filme de forma estrutural, apenas é colocado nele como um detalhe, nunca como um momento didático. Algo que pode ser ruim para quem não está com a geopolítica em dia, mas que funciona bem para o ritmo da história. Ponto para o filme.
12.12: O Dia também leva vantagem no capricho. O filme é impecável em seu visual e no elenco afinado. Duas questões importantes, já que é uma recriação de época e se dá, praticamente em toda sua totalidade, na relação entre os seus muitos personagens entre si. Conversando, discutindo, atendendo telefones e até em alguns momentos se enfrentando fisicamente, mas sempre com um roteiro ágil e que não tem medo de linhas e mais linhas de diálogo.
Também não tem medo de ser pragmático, um dos lados está errado e quer dar um golpe, o outro, só quer manter vivo o regime ditatorial que estava em andamento, mas sabe como é, um pouco mais brando e com um pessoal mais simpático e com menos vontade de oprimir a sociedade, ainda que o presidente assassinado não tenha nada em seu currículo que o coloque na posição de simpatia, mas isso é assunto para outro filme.
De qualquer jeito, você sabe que não deve torcer para o General Chun Doo-gwang (Hwang Jung-min), afinal, ele é um vilão completo, manipulando o tal grupo Hanahoe até formar um pessoal que passa a se interessar em dar o golpe e tomar o país para eles. Mesmo falando de uma história de quase 50 anos atrás, ainda é fácil enxergar certas semelhanças com o mundo atual, pelo menos do lado dos vilões, o que faz ser ainda mais fácil para certos espectadores ocidentais embarcarem na história.

É lógico que por razões mercadológicas, o lado dos heróis não se permite ser lembrado de serem os defensores do ditador falecido, mas a tensão do filme faz essa impressão de “chapa branca” ficar de lado diante da tensão da situação e de como o roteiro realmente vai encavalando situações que vão esmagando os “heróis”. Para os coreanos, detalhes de uma trama que eles sabem o final, para o pessoal de fora, uma daquelas estruturas que vão colocando os personagens em situações mais e mais complicadas em busca de um final salvador.
Esse clima cresce com a decisão do roteiro de não correr em um primeiro momento em busca de ação. O que se vê na primeira metade da história é um vilão complexo e a criação de um inimigo invisível que precede praticamente todas tentativas de golpe da história da humanidade. Como se logo de cara a trama acendesse um pavio e você ficasse observando-o queimar até chegar em uma bomba que explode e não tem mais como ignorá-la, principalmente, pois estamos falando de uma história real, que marcou a Coreia do Sul e se reflete nela até hoje.
Por outro lado, o do visual, por mais que as soluções do diretor e da direção de fotografia sejam simplistas, como as cores da iluminação dos vilões avermelhadas e eles sempre serem enxergados como menos honrados e mais bagunçados, a montagem tem tanto ritmo que fica fácil não se importanr, nem com isso e nem com uma tentativa de criar um ou outro discurso mais esperançoso e assertivo.
Até porque, 12.12: O Dia não tem esperança. Não é um filme sobre heróis, já que, spoiler, eles perdem e o país mergulha em um regime ainda pior do que aquele que estava por quase uma década. Essa data que nomeia o filme é então um pedaço ainda mais imundo da história do país, mas um pedaço importante de ser contado, afinal, a grande questão da trama é parecer que tudo aquilo estava acontecendo apenas nos corredores do poder, com os tiros disparados não chegando ao resto da população e se deixando ser um pedaço da história que poderia ser até desconhecido em seus detalhes.
Porém, tudo isso faz de 12.12: O Dia quase um documento importante para expor essas cicatrizes e lembrar a todos que esse tipo de questão não é uma exclusividade de um ou outro país. Então que as artes, principalmente o cinema e sua carga popular, discutam esses fantasmas com clareza, quem sabe assim as gerações posteriores não esquecem o que aconteceu e podemos sempre impedir que certos desastres voltem à tona dos nos países. Talvez disso o Brasil entenda e deve se identificar com o filme coreano, por mais que a gente saiba que um pessoal daqui acabará torcendo para os personagens errados.
“Seoul-ui bom” (Cor, 2023); escrito por In-pyo Hong, Sung Soo Kim, Young-jong Lee e Hong Won-chan; dirigido por Sung Soo Kim; com Hwang Jung-min, Jung Woo-sung, Lee Sung-min, Park Har-joon e Kim Sung Kyun