Em 1999 o futuro jovem cineasta Dany Rothbert também ainda não tinha se tornado um best seller com seu livro “My Heart is na Idiot“, mas conheceu o jovem Akil “Smurf” e se u irmão mais novo Emmanuel Sanford-Durant em uma quadra de basquete do subúrbio de Washington, capital dos Estados Unidos. O mais novo filme de Rothbert, 17 Quadras, nasceu nesse dia.
Rothbert se interessou pela vida dos irmãos e começou a filmar um documentário sobre eles e sua família, em pouco tempo eles próprios começaram a gravar a própria vida. Foram mais de mil horas de material nesses 20 anos que se sucederam. O resultado é realmente uma experiência única, sensível e visceral.
O documentário começa com a mãe de Smurf e Emmanuel, 20 anos se passaram, sua aparencia parece corroída pelos vícios e dores enquanto visita a casa na qual cresceu e se lamenta da noite onde tudo mudou. O filme de Rothbert se sustenta nesses personagens, mas ganha força diante de uma tragédia que quebra essa família no meio.
Enquanto isso se forma, desde muito antes de qualquer desastre, a câmera de Rothbert encontra espaço na vida dessas pessoas de modo íntimo. Emmanuel precisa intercalar seus sonhos com as pressões de viver nesse mundo que não parece fazer esforço para lhe dar um resultado final. Tantos os problemas de drogas da mãe, quanto a aproximação do irmão com o tráfico de drogas, são colocados sob essa ótica infantil, olhando para a câmera e descobrindo que pode sonhar com o futuro.
“Manuel”, como era chamado, queria ser bombeiro, se torna um estudante exemplar, se apaixona, cria o sobrinho e é feliz enquanto olha os fogos de artifício de mais um Dia da Independência nos Estados Unidos. Mas toda essa preparação narrativa de 17 Quadras parece ter um final inevitável e ele irá despedaçar o coração de qualquer espectador.
Rothbert tem o material em mãos e constrói esse cenário, posiciona muito bem seus personagens e sabe que seu filme nunca deixará de ser sobre um personagem ou outro, mas sim sobre como lidar com essas perdas e o quanto elas podem transformar completamente a vida dessas pessoas.
Ao mesmo tempo, Rothbert parece ter uma ótima combinação de competência visual com sorte (afinal, muita coisa deve ter sido feita pelos próprios personagens), e ter em mãos cenas incríveis que, juntadas às ótimas escolhas musicais de Nick Urata, criam um espetáculo de momentos visualmente incríveis e poéticos. Ainda que a estrela do filme seja mesmo a aproximação com os personagens.
A câmera não vira a cara para esses personagens, muito menos para suas dores, busca uma esperança que aos poucos vai surgindo, seja em uma nova geração de crianças, seja nos próprios arrependimentos dos protagonistas. Rothbert cria então um filme que quer mostrar essas pessoas em todos seus detalhes, problemas, esperanças e dores, e isso faz de 17 Quadras um filme obrigatório.
Principalmente por tentar enxergar a criança que olha assustada sobre os ombros e para de andar quando escuta uma sirene de polícia ao longe. A câmera de Rothbert não desvia o olhar desse momento, assim como não deixa de ver o quanto a família Sanford é apenas uma dentro das centenas e milhares de famílias nos Estados Unidos (e no mundo inteiro), que perdem seus filhos para a violência como se fosse algo comum e corriqueiro. A diferença dos Stanfords e de muitas outras é, justamente, estarem a 17 quadras do centro de poder da mais poderosa nação do mundo. Parece perto, mas acreditem, é extremamente longe.
“17 Blocks” (EUA, 2019), escrito por Davy Rothbart e Jennifer Tiexiera, dirigido por Davy Rothbart, com Emmanuel Durant Jr., Akil “Smurf” Sandford, Chreyl Sanford, Justin Sanford e Danice Sanforda-Durant
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