A história sobre os 47 Ronins é um dos mitos mais antigos do japão. Uma espécie de lenda que serve de inspiração para toda ideologia do Bushido, que é o código de conduta do Samurai. Um conto sobre honra, principal elemento da cultura japonesa, e sobre esses guerreiros que se tornaram imortais na cultura daquele país. Então por que não colocar uma bruxa, alguns dragões, piratas, um pessoal com cara de passarinho e o Keanu Reeves para fazer isso render milhões para Hollywood?
É lógico que a história continua sendo sobre a honra, mas logo no começo já apresenta o Japão como um ilha de magia e deixa que a trama então seja sobre esse mestiço, Kai, (Reeves) que é adotado, ainda jovem, por um Senhor Feudal. Assim como na lenda original, o mesmo Senhor é traído por um rival de uma outra província e ai sua guarda pessoal de 47 samurais se tornam ronins (samurais sem um senhor) e algum tempo depois resolvem se juntar para vingar a honra manchada deles e de seu “daimyo” morto.
Kai entre nesse bolo ai tanto por ser apaixonado pela filha de seu salvador, quanto por em seu passado misterioso ter aprendido a lutar como ninguém e ainda ter um conhecimento místico que pode ajudá-los nessa jornada. Em outras palavras, Reeves está para que o público ocidental se divirta com um pouco mais que honra, suicídios e vinganças. Lado que não estraga a experiência, até por que ninguém entrará no cinema esperando a sensibilidade de algum “aluno do Kurosawa”. Mas tampouco isso acrescenta nada de muito interessante à trama.
47 Ronins então é feito para compensar o orçamento de 175 milhões de dólares, entregando uma história que tem lá seu ritmo, mas é tão genérica que na maioria do tempo é até enfadonha. Pior ainda, que se contenta em ser amarrada com um punhado de cenas de ação que soa deslocadas e apenas como desculpa por terem em mãos um “filme de samurais”. Cada ambiente em que o grupo de samurais (ou apenas algum deles) chega ou passa é aproveitado para uma cena de ação. E algumas delas até bobinhas, como a passagem de Kai por uma arremedo de Piratas do Caribe (que só serve para colocar o ator todo tatuado Rick Genest em uma única cena e ainda levar destaque em todo material de divulgação).
E o filme dirigido por Carl Rinsch (em sua estreia em longas) fica então perdido nesse meio termo movido pela lenda crível e pelo lado fantástico, o que cria dois lados que até conseguem conviver bem, mas sem empolgar. Todo mundo sabe no final das contas quem Kai irá enfrentar enquanto o líder dos ronins, Oishi (vivido por Hiroiuki Sanada e nem sequer aparecendo no cartaz) vinga as suas honras. Assim como, por não ter tempo de desevolver muito dos guerreiros, não esconde que sacrificará qualquer um que se meter a aparecer em um diálogo ou momento heróico/engraçadinho, subterfúgio que soa enfraquecido diante de qualquer plateia minimamente acostumada a ir no cinema.
E por mais que Rinsch no que parece ser uma extrema falta de experiência teima em planos fechados em busca de um sentimento que simplesmente não existe na interpretação gélida de Reeves, no resto do tempo valoriza extremamente bem o ótimo trabalho dos efeitos digitais, dos figurinos e cenários. Fora de um filme tão fraco, ambos três poderiam ser festejados como uma das grandes recriações do Japão feudal dos últimos tempos, o que é pouco para salvar o filme, mas permite que o desastre ao menos seja pouco incômodo.
Esforço que nem de perto é o mesmo do trio que assina o roteiro, Chris Morgan, Hossein Amini e Walter Hamada. Além de cotribuírem para toda estrutura óbvia e com a confusão de foco, decidem ainda por ofender a inteligência de sua platéia. Entre flashbacks de acontecimentos que passaram a menos de um ou dois minutos, fazem questão de repetir diálogos (tanto o Shogun, quanto o vilão repetem as mesmas frases quando chegam no feudo), assim como se sentem obrigados a explicar na mesma fase o significado de certos termos em japonês, ainda que fique claro como água o que cada um deles quer dizer (e em um momento um deles ainda é explicado mais duas vezes na cena seguinte). Um desperdício completo de palavras, ainda mais em se tratando do japão e uma cultura (pelo menos no cinema) que precisa tão pouco delas para fazer obras de arte inigualáveis.
E por fim, o trio ainda dá a tacada final no esforço em generalizar/ocidentalizar a trama e vai buscar lá em Sherwood inspiração para o último ato. Substitua a peça de teatro por um enforcamento ou um disputa de arco e flecha, e troque os 47 ronins por Robin Hood e seus amigos e você vai ver que isso não é exagero.
Assim como não é exagero perceber que o objetivo do filme, mais do que um conto sobre honra, é sim conquistar o público do lado de cá do planeta, já que o lado de lá, nessa “ilha mística” que o filme pensa ser o Japão, o que não faltam são exemplos muito melhores e mais sérios para contar, tanto essa história, como um monte de outras que representam o Bushido sem precisarem do Keanu Reeves e de um monte de efeitos especiais.
“47 Ronin” (EUA, 2013), escrito por , Chris Morgan, Hossein Amini e Walter Hamada, dirigido por Carl Rinsch, com keanu Reeves, Hiroyuki Sanada, Ko Shibasaki, Tadanobu Asano, Min Tanaka e Rinko Kikuchi