A Batalha das Correntes | Triste o filme que precisa de ídolos


[dropcap]B[/dropcap]atalha das Correntes é um daqueles filmes que parecem nascer para se tornar um clássico, mas assim que vê a luz, logo depois do parto, se percebe que “ok… talvez o filme não seja essas coisas”. O reflexo disso foi um 2017 onde passou por alguns festivais, um 2018 que ninguém sabe onde ele esteve, uma estreia tímida no final de 2019 nos Estados Unidos e, enfim, seu lançamento mais amplo na plataforma Amazon Prime.

E ele ter sido meio renegado nos Estados Unidos é um grande prego no caixão, já que Batalha das Correntes é um filme absurdamente americano, sobre personagens americanos e contando uma história real de um dos momentos mais importantes do país. E se isso não foi suficiente para o filme ser celebrado diante de todo patriotismo, nada mais poderia ser.

O filme mostra briga entre dois gigantes dos Estados Unidos: George Westinghouse (Michael Shannon) e Thomas Edison (Benedict Cumberbatch). O vencedor levará a luz para o país inteiro, Westinghouse com sua corrente alternada e Edison com sua corrente direta. Se você tem tomada em casa e sabe que a energia vem lá de longe, em uma usina hidroelétrica, então você sabe quem ganhou.

Portanto, por mais que o filme escrito por Michael Mitnick e dirigido por Alfonso Gomez-Rejon tente criar um pequeno suspense, no exato momento em que as correntes são explicadas no filme, você sabe quem ganhou, e isso te deixa livre para aproveitar o resto do filme. Infelizmente.

Mas não coloque a culpa no elenco, Shannon e Cumberbatch não fazem nada demais, mas o “nada demais” de ambos é um patamar acima da maioria, então a força dos dois segura grande parte do filme. Ainda nos papeis menos importantes, Tom Holland, antes de ser o Homem-Aranha, é um coadjuvante de luxo, e Nicolas Hoult é um completo desperdício encarando o sempre interessante Nikola Tesla.

Curiosamente, Tesla seja até o mais importante dos três (Westinghouse e Edison) quando o assunto é a luz no país (e no mundo), mas como morreu pobre, é tão esquecido no filme, como foi esquecido pelos livros de história.

Mas Batalha das Correntes tem um problema maior: ele é bonito demais. Alfonso Gomez-Rejon dirige um filme onde sua câmera busca sempre um ângulo mais rebuscado, seja um plongee sem limite de altura, sejam aproximações com grandes angulares onde o mundo se distorce diante dos planos fechados. Mas tudo isso sem razão de ser. O belo está lá, assim com uma recriação de mundo maravilhosa, mas nada parece ter a profundidade e as camadas que todo esforço estético parece querer.

Isso também acontece, já que o filme não tem absolutamente a nada a dizer, e o que diz passa pelo desespero narrativo de passar um pano nos protagonistas. Principalmente Edison.

O esforço para não permitir que seu Thomas Edison seja um mau caráter beira o exagero. Em certo momento, chega a usar a morte da esposa como motivador, mesmo que isso seja esquecido logo em seguida. O texto de Mitnick ainda vai mais longe, acompanha Edison matando animais para criar uma notícia falsa (sim, em 1890 Edison já estava dando aula para o pessoal de hoje!) e até se envolvendo na famigerada Cadeira Elétrica só para prejudicar seu adversário. Mas sem nunca tirar dele essa aura de herói nacional.

E o diretor reforço essa ideia. Cumberbatch nunca é visto como um vilão, a câmera sempre o enxerga com um gênio trabalhador, humilde, sem dinheiro, mesmo com invenções geniais, e até nos momentos mais vilanescos, olha para ele sempre como alguém que está lutando em uma encruzilhada moral que o espreme. Olhando de frente para ele, passeando por sua oficina, acompanhando-o com o filho. Enfim, Edison é o herói de A Batalha das Correntes, e isso distorce a vontade do espectador, principalmente, pois o Westinghouse de Shannon, mesmo sendo visto sempre como um empresário ricaço, cheio de empregados e que não inventa nada, caminha na linha do escrúpulo e dignidade, além de sofrer com o “fazedor de fake News”.

É lógico que essa vontade de glorificar Edison vem com a mesma necessidade que os Estados Unidos têm de colocá-lo em um patamar inalcançável. Um ídolo para uma nação e um ídolo para o filme de Alfonso Gomez-Rejon, e triste o filme que precisa de ídolos.

PS: Edison não inventou o cinema.


“The Current War” (EUA, 2017); escrito por Michael Mitnick; dirigido por Alfonso Gomez-Rejons; com Benedict Cumberbach, Katerine Waterson, Michael Shannon, Tom Holland, Matthew Mafadyen e Nicolas Hoult.

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