Enquanto apontam suas armas para seus próprios reflexos em uma casa de espelhos, Rita Hayworth e Everett Sloane querem mesmo é mostrar um pouco mais do que está ali simplesmente na tela, como se procurassem provar para eles próprios, e para todos espectadores, que na verdade nada é real, mas sim um grande truque de espelhos distorcendo tudo à sua volta. E isso é A Dama do Shangai.
É exatamente em momentos como esse que se entende por que Orson Welles é Orson Welles, um cineasta que consegue, em uma única sequencia, resumir todo um gênero. A Dama do Shangai é Noir até o osso, e fecha o filme com esses três personagens, os dois, mais ainda o vivido pelo próprio diretor, no fim de um caminho cheio de mentiras e traições. Cercados por uma escuridão que parece não ter fim. Sloane andando caricaturalmente sobre duas bangalas, Hayworth e seu olhar languido, mentiroso e fatal e, por fim, Welles narrando sua inocência em um off desesperançoso. Isso é Noir.
Welles, e sua câmera brotando do chão, criam ainda, um pouco antes desse final, um tribunal que parece engolir todos, do juri ao espectador, como se minimizados diante de uma teia de mentiras e reviravoltas. Mostrando ainda mais essa relação entre o conteúdo e o visual que Welles sempre pareceu se preocupar tanto. É como se ele gritasse aos quatro cantos do mundo “que é preciso mais do que sorte em Shangai”, ou mais do que sombras para se fazer um Noir.
A Dama de Shangai foi um fracasso de bilhteria na época, mas com certeza conquistou uma posição previlegiada no hall da fama do cinema.
The Lady from Shangai (EUA, 1947), escrito e dirigido por Orson Welles, a partir do livro de Sherwood King, com Orson Welles, Rita Hayworth, Everett Sloane e Glen Anders