[dropcap]M[/dropcap]uita coisa em A Esposa poderia fazer com que o filme fosse esquecível, por outro lado, alguns pontos centrais farão com que esse filme do diretor sueco Bjorn Runge seja muito mais falado do que mereceria.
É claro que, entre elas, está o trabalho estonteante de Glenn Close, um fator que corroboraria para o sucesso do filme, se o resto não fosse tão aquém de qualquer interesse. Close salva o filme, o que, ironicamente, casa perfeitamente com sua trama.
Nela, Close é Joan Castelman, esposa do grande escritor Joe Castelman (vivido por Jonathan Pryce, mas sem qualquer destaque). Ele, recém-convidado a receber o Prêmio Nobel de Literatura, ela, tendo a função de “cuidar do marido enquanto ele cumpre essa agenda corrida”. O filme se passa em 1993, mas poderia, muito bem, estar em qualquer época da história da humanidade.
É lógico que os anos 90, ainda sem computadores, celulares e internet, se cria um cenário mais estável para a história, ainda mais quando a trama volta aos anos 60 para mostrar parte do começo do relacionamento dos dois e dar algumas dicas sobre essa pequena reviravolta que move a trama a partir do meio de A Esposa.
Não que seja algo surpreendente, mas funciona. Talvez não tão bem quanto o francês Monsier e Madame Adelman que tem a mesma premissa, resultados esteticamente muito mais interessantes e um ritmo extremamente mais condizente. A Esposa só não é arrastado, pois não tem muita sobra, o que está lá tem sua razão, resulta em um filme enxuto e econômico, que, no final das contas, empurra bem a trama.
O maior problema talvez seja mesmo o modo quadrado e quase teatral com que o diretor encara seu filme. Repleto de planos e contra-planos chatos, quase não existe uma sequência realmente interessante em termos visuais, tudo parece simplesmente jogado na frente da câmera sem muito esforço. A história concisa e a atuação de Glenn Close ocupam bem esse espaço, mas, mesmo assim, fica a sensação de faltar algo a mais.
Cenas como a do começo, dos dois na cama, tem uma dinâmica criada a partir de um roteiro eficiente, que é escrito por Jane Anderson à partir do livro de Meg Wolitzer, mas nunca a solução visual que esteja à altura desses acertos.
A Esposa então é sobre essa mulher que sempre esteve à sombra do marido escritor famoso, é claro que existe muito mais coisa por trás disso, e não há um só momento do olhar de Close que você não desconfie dessa outra camada. É daí, desse olhar, que vem o show da atriz.
Não que elas não tenha aquele momento para aparecer na montagem de indicados ao Oscar no dia da premiação (ele está lá no final, quando ela explode), mas todo seu trabalho durante o resto do filme é sobre sutileza. Seu olhar mistura um pouco do incômodo da situação, com uma acidez que cria uma superioridade intelectual que não permite confrontamentos. Não existe hesitação em sua personagem, apenas um objetivo claro e poderoso.
É lógico que aos poucos o espectador vai “pegando” essa reviravolta, e quando isso acontece, esse olhar não perde a força, mas passa a conter ainda uma melancolia e um arrependimento. Seu medo de “perder tudo” faz com que ela derrape nessa segurança quando o filho chega muito perto da verdade, ao mesmo tempo em que a raiva contida pelo cerrar das pálpebras toma conta desse olhar quando vê esse esforço todo chegar ao limite de sua capacidade.
Close salva o filme, mas também o filme é sobre ela, portanto, todos os esforços parecem estar em fazer com que seu personagem domine a tela. É a sua reação que o roteiro busca, assim como a câmera do diretor. Portanto, diante de um resto mediano, o trabalho da atriz não é simplesmente o destaque, mas sim o filme em si.
Seria melhor se A Esposa tivesse mais Close e menos Pryce, por exemplo, que encarna bem a ideia do velho com “libido hiperativa”, como o personagem de Christian Slater aponta, mas no resto do tempo, parece exagerado, principalmente diante da performance perfeitamente contida de Close. O que talvez fosse um contraponto interessante se um pouco mais bem cuidado, já que, não demora muito para você descobrir que ele é só mais um babaca como muitos por ai.
Talvez, A Esposa seja refém demais dessa reviravolta e esqueça um pouco de desenvolver melhor seus personagens e relações, permitindo que todos vivam muito perto do clichê. Talvez a ideia seja mesmo seguir o conselho de um dos flashbacks e entender que o escritor não precisa escrever, mas sim ser lido, uma afirmação que move a personagem de Close. Talvez, A Esposa use Close e seu incrível momento para chamar a atenção e ser visto. Talvez isso funcione.
“The Wife” (UK/Sue/EUA, 2018), “The Wife”, escrito por Jane Anderson, à partir do livro de Meg Wolitzer, dirigido por Bjorn Runge, com Glenn Close, Jonathan Pryce, Max Irons, Christian Slater, Harry Lloyd, Annie Starke e Karin Franz Korlof