A Garota Desconhecida Filme

A Garota Desconhecida | Irmãos Dardenne continuam em busca de seres-humanos


A Garota Desconhecida, em um resumão narrativo, é sobre o arco de sua protagonista, Dra. Jenny Davin, que ao não abrir a porta após o horário de seu consultório por uma mera questão de capricho – e sofrer as duras consequência de seu ato – acaba abrindo uma outra porta: para a possibilidade de redenção, aceitando que seus pacientes são seres humanos, e mais do que tudo: de que ela pode se dar ao direito de ser também humana.

A atuação de Adèle Haenel muda logo no começo para alguém que está cumprindo penitência. Ela vai de seu profissionalismo frio e competente para se aprofundar na falta de empatia e na conveniência de todos os envolvidos com a morte de uma jovem de origem desconhecida, que durante uma perseguição à noite, por um breve momento, olhou para a porta do consultório da médica e tentou a campainha. Na busca de sua própria humanidade ela descobre que ela falta em todos os outros com quem interage, inclusive ela mesma, que insiste no sigilo médico/paciente para conseguir o que quer. A exceção simbólica fica por conta de seu ex-estagiário, o que explica seu distanciamento da profissão logo no começo. Não por não aguentar ser impassível diante da dor humana, mas por ter sido uma vítima dessa mesma indiferença quando criança.

E ao mesmo tempo o filme serve como uma crítica social velada. No roteiro dos irmãos Dardenne (O Garoto de Bicicleta), que também dirigem o longa, ninguém que trabalhava onde a moça foi encontrada se mostrou particularmente tocado, nem cada pessoa que ela foi encontrando. Cada um cuidava de sua vida e cada um continuava cuidando. Mais tarde veremos, em uma mescla de surpresa e descrença, que nem familiares conseguiam nutrir qualquer empatia pela moça sem nome, o que indica o repúdio mais desumano que alguém poderia ter por uma pessoa: o desconforto de ela simplesmente existir. E quando ela deixa de existir, ainda passa a ser um estorvo, gerando de antipatia a ameaças às investigações informais lideradas pela médica.

O uso de cenas entrecortadas em pequenos episódios favorece o uso da rotina de Jenny sendo alterada. Obstinada em se redimir por aquela noite, ela chega a desistir de seu futuro promissor e começa a dormir no consultório onde tudo aconteceu. Quer dizer, imaginamos que ela dorme, já que o que vemos é ela administrando seu estresse acendendo um cigarro e olhando pela janela de madrugada. Ao mesmo tempo, a história nos entrega uma pista de cada vez, em uma investigação que nos mantém a todo momento aguardando, mas que se foca no que é realmente importante: a reação das pessoas abordadas e a aparente intransponível dificuldade em fazer com que a morte de uma moça seja levada a sério.

A Garota Desconhecida Crítica

A dupla de diretores consegue nos manter sempre em movimento, seja com a câmera na mão ou através de uma montagem inteligente que parece colocar a médica em uma busca incessante que se torna obsessiva. O ponto-chave da trama é entendermos que a morte da moça abalou todo seu mundo, e o uso do estagiário é perfeito para isso. Pode-se dizer que é o estopim. E ao mesmo tempo, sabermos que a fria doutora pode se emocionar com uma música de despedida feita por um de seus pacientes é o que precisamos para entender que por trás dessa obstinada profissional também reside um ser humano pronto para ser descoberto. Porém, este ser humano é mostrado pelo filme ainda como um ser incompleto, visto de lado ou de costas, com algo ainda a ser descoberto, enquanto seus pacientes e as testemunhas aparecem de frente, embora muitas vezes prefiram não aparecer. A movimentação implícita permanente nos passos da médica, seja dentro do consultório ou fazendo ligações de seu carro, dão a impressão de uma rotina extenuante que parece nunca acabar. Se passam vários dias, mas para nós – e para ela – é como se esse fosse um pesadelo em andamento.

O último ato significativo que vemos da médica – dar um abraço em uma pessoa – é a redenção esperada por todo o filme. E é a única coisa que podemos fazer enquanto a humanidade vai se perdendo em cada um de nós, indiferentes às mortes que ocorrem todos os dias, muitas vezes no nosso bairro, rua ou prédio. Há uma mensagem maior em A Garota Desconhecida do que um simples caso de morte de indigentes. A maior virtude do filme é justamente ir em busca de qual é essa mensagem.


“La fille inconnue” (Bel/Fra, 2016), escrito e dirigido por Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne, com Adèle Haenel, Olivier Bonnaud, Jérémie Renier, Louka Minnella, Christelle Cornil


Trailer – A Garota Desconhecida

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