Não há quem diga que é fácil entender a crise financeira de 2008 que abateu os Estados Unidos e o mundo. É fácil repetir por ai expressões como “bolhas”, “hipotecas”, “subprime” etc., o difícil é pegar tudo isso e contar uma boa história. A Grande Aposta não só consegue isso, como ainda te faz sair do cinema com a sensação de ter entendido exatamente o que aconteceu.
Melhor ainda, te faz se divertir enquanto desvenda todos números e situações que soterraram o mundo enquanto os noticiários viam os bancos americanos falirem. É lógico que, como o personagem de Brad Pitt lembra em um momento do filme, esses números em Wall Street soavam muito mais virtuais do que para os milhões que ficaram desempregados, desabrigados e até em situação pior. E grande parte do acerto de ¿A Grande Aposta¿ está nessa dicotomia.
Por um lado, o filme de Adam McKay se sensibiliza com o peso da situação, do outro, não deixa de ser uma comédia inteligente e ágil. Os risos vem de sua carreira no cinema, onde dirigiu Will Farrel desde O Âncora (passando pela sequencia, Tudo por um Furo , Outros Caras e até o ótimo Ricky Bobby) e lhe dá experiência suficiente para manipular uma ideia de modo cínico o suficiente para que aquilo se torne um riso. Isso, e um assunto complicado, mas que aqui ainda faz tudo ser mais fácil.
O filme conta a história de um cara esquisitão (Christian Bale, em mais um trabalho incrível) que comanda um fundo de investimento em Miami e após um insight/epifania, passa a “investigar” o “sólido” mercado de hipotecas. Contra tudo e todos à sua volta, e muito anos antes de qualquer sinal de crise, ele decide então investir uma quantidade enorme de dinheiro justamente no lugar onde só daria retorno em caso de uma crise afundar o país. Do outro lado, suas ações despertam o interesse de um investidor metido a besta (Ryan Gosling) que propõe negócio para um fundo de investimento comandado por um cara genialmente estressado (Steve Carrel, em um trabalho sutil e talvez até melhor que em Foxcatcher).
Há ainda um terceiro lado, com dois jovens investidores inexperientes (John Magaro e Finn Witrock) que, através do total acaso, dão de cara com a mesma oportunidade e acabam pedindo ajuda para um ex-Wall Street (Brad Pitt), para investirem no mesmo lugar: na crise.
É claro que, como o personagem de Finn Witrock diz para o espectador, não foi exatamente assim ¿ao acaso¿ que eles ¿descobriram¿ a oportunidade, mas desse jeito ficaria mais legal. E esse talvez seja o mote do roteiro do próprio Mckay em parceria com Charles Randolph (dos ótimos Amor e Outras Drogas e A Intérprete), baseados no livro de Michael Lewis (que também escreveu as obras que deram origem a O Homem que Mudou o Jogo e Um Sonho Possível): Se a ficção é mais legal que a realidade, imprima a ficção.
Por vezes até o personagem de Gosling recorre à ¿quarta parede¿ para lembrar o que pode soar fantástico, mas é real, o que só acrescenta ainda no incrível ritmo de A Grande Aposta. Como se não houvesse tempo a perder, um pouco talvez como o frenesi do mercado de ações. E essa conversa com o espectador se estende ainda mais com uma série de intervenções práticas para explicar detalhes incrivelmente técnicos que permeam a trama, mas que aqui são facilmente explanados por Margot Robbie em uma banheira, Anthony Bourdain e seu caldo de peixe e Selena Gomez em uma mesa de blackjack. Uma espécie de delicioso caos que comanda o andamento dessa incrível história.
E essa modernidade toda convive com uma estética de documentário que coloca o cinema como se fosse uma testemunha local dos acontecimentos. Como se participasse ¿in loco¿ de uma crise que a maioria só conseguiu acompanhar de uma distância enorme, mas mesmo assim que não se mostrou segura. É então essa insegurança que cria uma proximidade enorme com os personagens, já que, ainda que seus sucessos dependam de algo que o espectador sabe que irá acontecer, as pequenas reviravoltas e surpresas criam um cenário ainda mais complexo.
Uma complexidade que se estende ainda para seus personagens, o que talvez seja o que mais faz todos no cinema se identificarem com o filme. Quem está prestes a levar a melhor são os esquisitões, os “underdogs”, aqueles em que ninguém acredita, mas que aqui se tornam paladinos da justiça. Ainda que ¿apostem na crise¿, acabam representando um pouco da vingança contra um sistema que faz questão de oprimir uma sociedade com seus números e valores. Ao final de tudo é fácil torcer pela crise.
E isso vem junta da impressão de você ter desvendado um mistério. Um segredo que estava sendo guardado de você, uma verdade que te faz entender exatamente o que aconteceu, mas nem por isso deixa a realidade menos sórdida e podre. Uma conclusão que faz o personagem de Steve Carrel mudar e aceitar um peso maior do que esperava . Uma verdade que, como um interlúdios de A Grande Aposta lembra, ¿é como poesia, e a maioria não gosta de poesia¿.
“The Big Short” (EUA, 2015), escrito por Adam McKay e Charles Randolph, à partir do livro de Michael Lewis, dirigido por Adam McKay, com Ryan Gosling, Christian Bale, Steve Carrel, Hamish Linklater, Jeremy Strong, Jeffry Griffin, John Magaro, Finn Wittrock e Brad Pitt.