Guerra dos Sexos Filme

A Guerra Dos Sexos | Leve, mas nunca inconsequente


[dropcap size=small]Guerra dos Sexos é uma viagem leve, mas não inconsequente, pelos fascinantes anos 70. Nessa viagem achamos um episódio na história igualmente fascinante que envolve tênis e feminismo. E se tênis é um embate de egos, o feminismo é um embate de forças. Forças essas que, se hoje encontramos um certo equilíbrio entre gêneros, naquele tempo eles ainda estavam por se formar.

A heroína desta história é Billie Jean “King”, a tenista no topo das competições e que lidera junto de sua agente um movimento contra a gritante diferença dos prêmios entre as categorias masculina e feminina no torneios. Iniciando uma nova liga com ajuda de patrocínio (e uma das aberrações da época era uma fábrica de cigarros patrocinar esportes) elas logo percebem que não precisam mais se sujeitar à visão do establishment (o establishment no caso são homens anos 60 fumando e bebendo em uma sala escura). Mas há questões ainda mais profundas, como a posição da mulher na sociedade e como a orientação sexual era um problema imensamente pior do que é hoje.

E o que cativa em Guerra dos Sexos é o uso de seus personagens para com isso estabelecer um mundo diversificado, onde não existem apenas dois lados. Enquanto Billie Jean (Emma Stone) representa a mulher independente, que sustenta sua família com sua profissão, há uma outra tenista que serve de exemplo oposto, é casada, moralista e com direito a um bebê no colo. E enquanto Bobby Riggs (Steve Carrel), o seu tenista “rival”, ou o que ele representa no plano geral das coisas, se proclama o clássico porco chauvinista, em casa ele é sustentado por sua esposa, insatisfeita com sua maneira aventureira de viver.

Aos poucos vemos que as tentativas em dinamizar a narrativa clássica de “elas contra eles” cria uma atmosfera convincente e divertida. Isso em partes se deve a uma excepcional direção de arte, que usa e abusa das referências da época. Junto do saudoso tom granulado da fotografia, somos apresentados a pequenas revoluções ou contra-revoluções, como o uso de uniformes coloridos das tenistas ou um uniforme nada confortável de “sugar daddy”, destacando de maneira eficaz as forças conservadoras ainda agindo na era do amor livre.

Mas a maior parte da diversão fica mesmo por conta desses dois atores extremamente à vontade em suas personas estilizadas. Assim, a escolha de Steve Carrel como uma pessoa que diz barbaridades machistas apenas por diversão funciona porque conhecemos Carrel, e ele consegue convencer como ser humano, e aqui está mais do que provado, com seu personagem fazendo parte de um estereótipo horrível. Mas isso funciona também porque, no final das contas, vemos que ele é apenas um coitado em fim de carreira, mas que acaba virando um instrumento para as mudanças sociais que acontecerão, queira ele ou não.

Guerra dos Sexos Crítica

E Carrel carrega uma empatia essencial para que não odiemos o sujeito pelo seu modo egocêntrico de se divertir. Dessa forma, entendemos seu papel na história, e mesmo que discordemos desse tipo de ser humano é inevitável que ele fizesse parte das transformações sociais que viriam. Sem figuras como ele talvez não houvesse mudança alguma. Afinal de contas, qual o incentivo?

Ao mesmo tempo, e do lado oposto, a personagem de Emma Stone representa um desafio na carreira da atriz, que tenta sair de sua zona de conforto de “queridinha” (ou “não tão queridinha”) bem comportada, além de expulsar sua beleza para o papel (tarefa ingrata e impossível, ainda mais comparando com a verdadeira Billie Jean). É interessante notar como ela também aos poucos se torna um instrumento de mudança, direta ou indiretamente. No decorrer da história percebemos que ela inclusive é a única capaz deste feito. É o destino, como alguém profeticamente brinca. E Stone está focada e transformada. Olhe para o modo dela curvar seus ombros, em um misto de vergonha e dureza ao carregar o peso de quem ela verdadeiramente é. Olhe como ela se esconde timidamente por um fiapo de franja, ou até seu novo modo de mover seus lábios, franzindo sua testa. Ela não está brincando. Talvez seja a pessoa que está levando este filme mais a sério. É sua postura no filme inteiro que sintetiza seu momento de catarse, sozinha no vestiário. É quando diálogos são desnecessários que sua metáfora da mulher independente que quer realizar o impossível para provar um ponto se faz mais presente. E inesquecível.

Quem embala tudo isso em um formato palatável ao grande público – e o que dá impressão inquestionável deste ser um “filme de Oscar” – é uma trilha sonora insossa, convencional, que apenas se libera quando auxiliada pelas sempre ótimas escolhas de músicas da época. E Stone e sua cabeleireira/amante na discoteca se torna a música e o momento mais marcante da discografia.

Já quem enquadra esse mini-retrato de uma época de uma forma mais humana, realista e intimista são os diretores, Jonathan Dayton e Valerie Faris (Pequena Miss Sunshine), que concebem belas transições de cena – Como de uma máquina de costura, símbolo da submissão feminina, para uma vitrola em uma rádio, símbolo que agora elas têm uma voz. Eles também conseguem uma sensação curiosa de estarmos presenciando a história propriamente dita e ao mesmo tempo histórias de pessoas reais, em um misto de quadros próximos de Billie Jean, câmera tremida, e o frenesi da imprensa, das rádios, TVs e do grande escalão de senhores poderosos em salas opulentas (e não apenas homens, como notamos no hilário quadro da esposa de Carrel, que como ele diz para o filho, “está sempre de olho em nós”).

E essa sensação das pessoas em uma sociedade estarem sempre de olho nas celebridades é bem presente. E necessária. Só assim para percebermos o verdadeiro desafio daquele dia naquela quadra. É assim com os melhores filmes de boxe e tênis. Quando o confronto final começa, é mais importante o que aprendemos sobre os adversários, seus medos, desafios e dramas, do que a luta ou a partida. Guerra dos Sexos consegue ser leve até o final, mas nunca deixa isso de lado.


“Battle of the Sexes” (RU/EUA, 2017), escrito por Simon Beaufoy, dirigido por Jonathan Dayton, Valerie Faris, com Emma Stone, Steve Carell, Andrea Riseborough, Natalie Morales, Sarah Silverman


Trailer – A Guerra Dos Sexos

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