A Lenda do Cavaleiro Verde | Crítica do Filme | CinemAqui

A Lenda do Cavaleiro Verde | Você está pronto?

Uma velha história não precisa ser ela mesma para passar as mensagens que vem com essa narrativa. Sir Gawain e o Cavaleiro Verde nasceu como poema no século 14, um dos mais famosos das “lendas Arturianas”, mas se permite chegar até o século 21 com um significado novo, mesmo dentro de todas mesmas intenções.

A Lenda do Cavaleiro Verde agora é uma história que extrapola a honra e esse jogo entre cavaleiros para provarem suas importâncias, sai disso para alcançar uma experiência sobre chegar à vida adulta (um “coming of age”) enquanto entende o próprio significado de ser quem você realmente é e não quem os outros o provocam a ser. Tudo isso sem sair de uma fantasia medieval preocupado com um visual que extrapola o realismo para encontrar um lugar rebuscado de lendas e signos.

O filme é dirigido e escrito pelo mesmo David Lowry de Sombras da Vida, filme que também foi a parceria dele com o diretor de fotografia Andre Droz Palermo. O resultado da parceria agora é um filme que extrapola o visual em busca de significados e detalhes que ganham essa história enquanto o espectador vai desvendando toda essa jornada. Por mais que a nova trama saia do mesmo lugar de onde ela saiu cinco séculos atrás, o caminho agora é outro.

Ela começa com um Natal onde o nascimento é celebrado como um sacrifício, sagrado e profano acordam essa vila enquanto a corte em volta de sua mesa redonda celebra seus feitos. Gawain (Dev Patel) é o sobrinho do Rei (Sean Harris), e quem está minimamente acostumado com as lendas ligadas a esse herói bretão que aqui não é claramente citado, sabe que a irmã do Imperador sempre está ligada a esse lado que foge da claridade heroica de sua espada e seus feitos.

Essa proximidade familiar do jovem Gawain com seu Rei o leva até seu lado nessa noite de festas que é interrompida pela presença imponente do Cavaleiro Verde e um desafio: Um cavaleiro honrado tentaria separar sua cabeça do corpo com apenas um golpe, se vitorioso, um ano depois teria que enfrentar o mesmo desafio após encontrar o lugar onde o Cavaleiro Verde o espera. Mesmo diante da aparente facilidade, nenhum seguidor do Rei aceita o desafio, apenas Gawain, que sai vitorioso, mas vê o Cavaleiro Verde recolher sua cabeça decepada do chão e dar meia volta enquanto o espera para a segunda parte do desafio um ano depois.

A honra santificada pelos cavaleiros então se transforma em uma caminhada onde uma encruzilhada como a de Gawain influencia diretamente seu lugar de aprendizado, novas chances e a impressão de que ele precisa tomar suas decisões e não seguir aquilo que lhe é determinado. Sua mãe e duas outras mulheres batizam sua jornada com uma proteção etérea, o Rei lhe entrega a experiência e a força de um cavaleiro, seu amor fica para trás com uma promessa. Mas tudo é extirpado de Gawain através de provações que colocam em jogo sua coragem e sua sanidade.

A Lenda do Cavaleiro Verde | Você está pronto?

Seu ato de bondade enquanto pisa sobre um campo de batalha cheio de fantasmas sacrificados pela honra de seus Reis é a prova de que suas ações não serão mais seguidas por aquilo que se espera ser o caminho mais correto. Lowry não parece interessado em uma jornada que se esgueira pelos estereótipos e significados comuns, mas sim um percurso que desafia o espectador a entender o que está acontecendo. A segunda chance pode nascer da podridão de um cadáver enquanto a câmera roda pela floresta, mas é também o sinal de que o destino do personagem pode ser vislumbrado pelo óbvio, mas também pode ser entregue para ele através da vontade de quebrar essas amarras.

O visual de Lowry e Palermo não medem esforço para encontrar esse mundo onde o fantástico parece arranhado por um realismo sujo, mas que, ao mesmo tempo, nada devagar por um delírio que faz o espectador estar o tempo todo pronto para colocar em prova o que o personagem está vivendo. Os gigantes somem no horizonte enquanto os ladrões são reais como o fim. Preso em outro Reino tendo que enfrentar as tentações de ignorar sua missão, tudo parece um pesadelo onde personagens se comunicam através de desafios à sua sanidade.

O maior pecado e tentação de Gawain não é só a carne da caça ou os desejos divididos com um novo mestre, mas sim a possibilidade de não cumprir sua jornada que, a cada passo, se torna mais iminente. Gawain recusa a honraria de ser um cavaleiro, pois não têm as histórias a serem contadas, mas ao mesmo tempo não consegue entender que essa é sua chance de ocupar esse capítulo da história com seu nome. O veneno de sua viagem é ele mesmo e a falta de coragem para enfrentar a si mesmo.

Lowry não tem medo de tratar seu filme como pequenos pedaços dessa história onde cada capítulo pode ser entendido como uma provação com seus significados. Também não parece achar justo esfregar essas explicações na cara de ninguém e prefere contar com a inteligência de seus espectadores para mergulharem junto com Gawain nessas descobertas. Porém, a seu jeito enigmático, nunca deixa de mostrar aquilo que pretende ser a solução de seus enigmas. O plano fechado na faixa verde que acompanha Gawain não permite outro entendimento, assim como o movimento circular da câmera dita a surpresa de parte do terceiro ato, mas a sutileza com que comanda esse emaranhado de informações cria um desafio intelectual e visual que coroam o filme.

Gawain precisa deixar para trás tudo aquilo que ele acha que lhe forma. Ou faz isso, ou seu destino cairá na mesma tragédia que persegue aqueles que não tiveram coragem de encarar os destinos escritos por si mesmos. O Cavaleiro Verde desperta com uma pergunta que ecoa na coragem de Gawain: Você está pronto? Talvez ele ainda não esteja, talvez ainda precise aceitar que um último amuleto pode o prender aos planos traçados por aqueles que usaram o sagrado e o profano para comandar seus passos.

A Lenda do Cavaleiro Verde poderia ser um filme sobre um jogo de cabeças decepadas, mas é uma história sobre a coragem de deixar o sacrifício daquilo que nos forma ser a única possibilidade de seguir em frente pelo próprio caminho.


“The Green Knight” (UK/Irl/Can/EUA, 2021); escrito e dirigido por David Lowry; com Dev Patel, Alicia Vikander, Sarita Choudhury, Sean Harris, Kate Dickie, Ralph Ineson, Barry Keoghan e Joel Edgerton


Trailer do Filme – A Lenda do Cavaleiro Verde

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