A Mula | Mais um herói com aspas


[dropcap]D[/dropcap]esde 2014 Clint Eastwood vem procurando algo como o “herói americano médio”. Alguém que é arrancado do clichê diante de uma situação única, mas nunca deixa para trás aquela sensação de ser um “cara qualquer”. A Mula foge disso, talvez indo na esteira da própria carreira do diretor.

Eastwood não precisa provar mais nada para ninguém, mas ainda assim está por ai, fazendo cinema como se tivesse 30 anos a menos, o que já o colocaria na prateleira dos diretores experientes. Perto dos 60, Eastwood estava dirigindo obras já clássicas como Bird, Intocáveis e As Pontes de Madison. Seus filmes são como as flores que fizeram seu personagem em A Mula ser tão reconhecido nas feiras de flores do país.

Earl Stone então é surpreendido pela internet e seu modelo de venda para o comprador parece começar a sumir. O mundo digital faz com que Earl perca a única coisa que sabe fazer da vida, até que tem a oportunidade de se reinventar e se tornar a mais bem sucedida mula de um cartel mexicano.

Assim como em Sniper Americano, Sully e 15h17, Eastwood vai buscar a inspiração de seu filme em um caso real. O nonagenário que se tornou uma mula para um cartel é uma história tão fantástica que só poderia ser verdadeira, “The Sinaloa Cartel’s 90-Year Old Drug Mule” saiu no New York Times escrita por Sam Dolmick e serviu de inspiração para o roteiro de Nick Schenk, que já tinha trabalhado com Eastwood em Gran Torino.

Mas sai o “herói” de Gran Torino e entra apenas um velhinho entediado e que enxerga no novo emprego a possibilidade de ajudar a família que ele tanto ignorou durante toda vida.

Entretanto, por mais que A Mula tenha essas camadas metalinguísticas a serem descascadas, ainda é só mais um daqueles filmes “simplizinhos” de Eastwood, um daqueles que ele parece não ter feito esforço nenhum para dar vida, mas o resultado acaba sendo ainda mais interessante do que a grande maioria de produções que enfrentam ele nas bilheterias.

Isso faz de A Mula também um daqueles filmes que sabe apertar todos os botões, o que talvez seja seu pior defeito, já que todo mundo sabe que Eastwood é capaz de muito mais. O esforço de humanizar os personagens parece ser a maior barreira para que A Mula se torne tão interessante quanto, por exemplo, Gran Torino. E isso tanto do lado do protagonista, quanto do investigador do DEA vivido por Bradley Cooper, que ganha muito mais tempo de tela que deveria.

Sinceramente, ninguém está interessado na vida profissional e pessoal do Agente Colin Bates, ainda mais quando o roteiro despenca para um melodrama frágil com “últimas tentativas” e “agora sim pegaremos ele”. Já seria suficientemente interessante ver esse “gato e rato” onde o rato é um velho de 90 anos acima de qualquer suspeita. Tornar a trama imediatista só arranca do filme a ideia entediantemente divertida desse personagem bagunçando o status quo de ambos os lados, deixando os traficantes malucos e os investigadores perdidos, já que Stone “é um veterano da Coréia”, então faz o que quiser.

Já do lado pessoal do protagonista, a boa, velha e batida doença na família lhe permite recompensar os anos perdidos, assim como o coloca no meio de uma confusão com traficantes perigosos. E isso não é um spoiler, é simplesmente algo óbvio que enfraquece demais o arco mais importante. Falta um pouco de coragem para Eastwood fazer uma história “só” sobre um idoso meio doido que resolve traficar drogas. As aspas, justamente, porque isso já seria mais que suficiente para o filme ser incrivelmente interessante.

A relação com a família e a investigação encontrando ruas sem saída já seriam mais que suficientes para dar uma outra camada a essa história já por si só fantástica.

Mas de qualquer jeito, no alto de seus quase 90 anos, Eastwood continua a provar com seus filmes que os anos quando passam trazem com ele a experiência. A Mula é um filme que tecnicamente não desperdiça nenhum plano sequer. Tudo está lá, cada quadro, movimento de câmera e personagem, tudo culminando no único objetivo de você acompanhar essa história. E isso é mais que suficiente para A Mula ser tão obrigatório quanto todo resto da filmografia do diretor.

Assim como, de um jeito só seu, Eastwood volta mais uma vez a contar a história do cara que já passou por muita coisa, mas ainda tem energia para mais uma aventura. “A Mula” entra então na mesma prateleira de Os Imperdoáveis, Pontes de Madison, Menina de Ouro e Gran Torino, um recorte da biografia desse cineasta que descobriu seu cinema já no alto de seus 50 e muitos anos e desde lá vem provando que sua idade nunca foi um empecilho para que ele se tornasse um dos maiores nomes de muitas gerações de diretores, já que sua biografia vem ditando algumas regras em várias décadas diferentes.


“The Mule” (EUA, 2018), escrito por Nick Schenk, à partir do artigo de Sam Dolnick, dirigido por Clint Eastwood, com Clint Eastwood, Alsion Eastwood, Dianne Wiest, Taissa Farmiga, Laurence Fishburne, Bradley Cooper, Michael Peña e Andy Garcia.


Trailer do Filme – A Mula

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