Apesar de pertencer ao imaginário como o sonho da exploração marítima sendo realizado, esta não é uma história feliz. A Odisseia é um filme sobre sacrifícios feitos por paixão que colocam uma família em xeque. Além disso, muitas das motivações dos personagens são preenchidas pelas suas versões ficcionais de uma história real e de conhecimento comum (livros) a respeito da carreira do aventureiro Jacques-Yves Cousteau e sua família. Porém, apesar de tudo isso, temos aí uma romantização que deu certo, e que, principalmente, atravessa problemas graças a atuações inspiradas e uma direção ainda mais arrebatadora.
Iniciando com a queda de um hidroavião supostamente sendo pilotado por Cousteau, o filme logo nos transporta para o lançamento dos Aqua-Lungs, dispositivos de respiração subaquáticos que permitiam, além de explorar o fundo do mar, filmá-lo. Que é o que ele começa a fazer e nunca mais para. A história acompanha esse início de nova carreira desde o apoio incondicional da esposa (Audrey Tautou) e filhos pequenos que precisam ser colocados em um internato depois que ele compra um navio (o famoso Calypso) e passa a viver em alto-mar, até todas as consequências dessa mudança nas vidas de todos os envolvidos.
Este acaba sendo um filme saudosista e empolgante ao mesmo tempo. Há, por exemplo, tomadas impressionantes das bizarras e fascinantes construções navais que Costeau projetava para sua nova vida, assim como há um clima de aventureiro que permeia a vida dessas pessoas de carne e osso, o que torna tudo muito excitante. Mesmo para os que já conhecem a história do cinegrafista, o “rumo ao desconhecido” consegue se manter desconhecido para os espectadores do filme.
No entanto, como esta é uma ficção que se formou da colagem de pessoas reais, nem sempre elas soam verossímeis. A personagem de Audrey Tatou é uma incógnita. Ela é a esposa fiel que está à deriva a bordo de um navio que virou seu lar, isso, enquanto seu marido vive idas e vindas com financiamento para novos filmes e novas mulheres que ele conquista por sua inevitável fama por explorar partes do mar nunca antes vistas. Não é possível entender sua motivação a partir de certo momento, e isso enfraquece o filme.
Porém, o mesmo não acontece com o belo arco criado para seu filho, Philippe Cousteau, que nas mãos de Pierre Niney consegue se transformar em um personagem interessante por entendermos suas descobertas dos acertos e – principalmente – erros de seu pai. Ele faz tão parte da história, que quase divide o protagonismo com o próprio pai.
Se em alguns momentos a história parece girar em círculos infindáveis de busca por dinheiro para mais filmes, amantes de Cousteau e descoberta do filho, a trilha sonora de Alexandre Desplat e a direção de pulso firme de Jérôme Salle, que tenta a todo custo não se tornar burocrático demais, coloca os remendos nos eixos, tornando a experiência de fato em uma espécie de odisseia, no sentido de descoberta, ou redescoberta do mundo à sua volta.
Curiosamente, não há muitos belos momentos de encher o fôlego no fundo do mar, exceto os marcados pelos dois principais personagens dos mares – tubarões e baleias. Talvez até porque este é mais um filme sobre humanos e como eles parecem ser as criaturas mais fascinantes do planeta, pois dados ao erro, quem nos diz o que devemos fazer em seguida? Talvez essa seja a grande aventura: se ousar a ir além e depois descobrir para onde virar.
“L’odyssée” (Fra, Bel, 2016), escrito por Jérôme Salle, Laurent Turner, dirigido por Jérôme Salle, com Lambert Wilson, Pierre Niney, Audrey Tautou.