O tema de A Ovelha Negra é sobre a família, mas vamos aprendendo isso aos poucos, em uma mudança de estações no melhor estilo Ki-duk Kim (diretor de Primavera, Verão, Outono, Inverno… E Primavera). A introdução se apresenta como uma história de rivalidade entre dois criadores de ovelhas. Observamos o cuidado com que Gummi (Sigurður Sigurjónsson) cuida de suas duas ovelhas premiadas, selecionando no final uma delas para um torneio anual onde encara com frustração o prêmio de segundo lugar enquanto aguarda seu vizinho, Kiddi (Theodór Júlíusson) e sua ovelha negra ganharem o prêmio principal.
Gummi e Kiddi, logo aprendemos, são irmãos. Kiddi, o mais velho, vive na mesma casa onde ambos foram criados. Gummi vive logo ao lado. Eles não se falam por quarenta anos, e o que parece impresionante se torna mais quando Gummy desconfia que a ovelha de seu irmão contraiu uma doença contagiosa e hereditária, obrigando com que todos os rebanhos das redondezas fossem sacrificados.
A história do filme é simples, mas seus detalhes enriquecem a experiência. O mistério que cerca o relacionamento dos irmãos e quais as reais intenções de Gummi, o protagonista, são o fio condutor de uma narrativa leve do diretor Grímur Hákonarson, que nunca deixa a tensão inicial cair. Há um conflito que se estende por décadas, e agora parece ser a hora em que ela terá que ter um desfecho.
O roteiro, também de Hákonarson, descreve a personalidade de seus personagens através de seus atos, e logo se torna maravilhoso acompanhar o desenrolar da trama quase sem nenhum diálogo. É difícil não sentir empatia por Gummi, esse homem barbado e cabeludo como suas ovelhas, quando testemunhamos o carinho, e, principalmente, o orgulho que ele exibe por seu seleto rebanho. Quando é hora da procriação, é não só engraçado, mas contagiante vê-lo observar com um brilho nos olhos como seu macho-alfa “faz seu serviço” direitinho.
O que nos leva ao possível sub-tema de homossexualidade, que pode ou não existir, dependendo de como você interpreta os acontecimentos em torno dos irmãos. Nunca ficamos sabendo o que de fato aconteceu entre eles para essa separação de décadas, mas isso não realmente não importa ou está em um subtexto tímido demais para importar. De uma forma de outra é possível entender como, um sendo emotivo e intenso demais, o outro frio e calculista, uma dupla dessas não poderia mesmo ficar junta por muito tempo. Enquanto vemos uma ovelha ser carregada quase como um bebê, em outro momento um dos irmãos viaja congelado dentro da pá de um trator. Se isso não diz algo sobre os dois, não sei o que mais diria.
Com uma fotografia de encher os olhos – como é de se esperar dos filmes da exótica Islândia – a tela larga serve não só para exibir esse cenário grandioso, mas principalmente o isolamento daquele vilarejo do resto do mundo, com seus imponentes montes cercando o valor que congela e derrete sem parar. Quando questionado sobre por que não há mulheres por perto, Gummi simplesmente fala que não existem muitas por aqui.
Indicado em Cannes na categoria Um Certo Olhar, este filme com certeza tem uma abordagem peculiar de sua história, e merece pelo menos uma visita de curiosidade.
“Hrútar” (Isl/Den/Nor/Pol, 2014), escrito e dirigido por Grimur Hákonarson, com Sigurour Sigurjónsson, Theodór Júlíusson e Charlotte Boving.