A desculpa para se produzir uma sequência, “spin off” ou “prequel” de qualquer grande clássico do cinema é a mesma para se produzir qualquer filme: dinheiro. A arte está lá em um segundo plano junto com um cineasta que luta por sua visão. Algumas vezes isso funciona, em outras não. Em A Primeira Profecia tudo isso está misturado, mas o resultado não deve atingir todos esses objetivos, principalmente o monetário.
O filme de Arkasha Stevenson não vai fazer dinheiro o suficiente para cumprir o primeiro objetivo de qualquer estúdio envolvido nessa tentativa de contar a história por trás daqueles primeiros momentos do clássico do terror de 1974, A Profecia. Mesmo parecendo que ninguém tenha visto a trilogia original, nem a própria diretora, nem seus parceiros de roteiro Tim Smith, Keith Thomas e Ben Jacoby.
Mas se o pessoal que ainda lembra dos detalhes da mitologia criada nos três filmes pode xingar A Primeira Profecia, quem não se recorda de nada, vai se divertir um montão. E os fãs que “aceitarem as mudanças” também encontrarão ali um filme digno do clássico, tanto em termos de clima, quanto de terror propriamente dito. A ideia da história também é boa, mas como ignora certas coisas do clássico, não dá para elogiar tanto assim.
Ela acompanha a chegada de Margaret (Nell Tiger Free) em Roma, pouco antes de se tornar freira e agora indo viver nesse convento controlado pela rígida Irmã Silva (Sônia Braga). É lógico que em pouco tempo ela começa a desconfiar de que algo de estranho está acontecendo por ali, o que a leva diretamente a uma conspiração envolvendo uma pequena garotinha esquisita e o Padre Brennan, personagem lá do primeiro filme e que aqui é vivido pelo rouco Ralph Ineson.
Quem já viu um punhado de filmes de terror envolvendo nascimentos de crias do demônio, diabos em si e cultos religiosos envolvendo o cristianismo, vai matar a charada logo de cara enquanto acompanha alguns jumps scares com Margaret. O que faz com que o primeiro terço do filme demore demais para engatar a segunda marcha. Principalmente, pois acontece pouco para empurrar a trama e menos ainda qualquer coisa que remeta ao filme original.
É lógico que absolutamente importante não esconder a origem de um filme como esse. O nome no título do filme cria expectativas, então é preciso garantir que os fãs enxergarão o querido filme e sua mitologia o mais rápido possível. Em um prólogo meio perdido na cronologia da própria história, a diretora expõe essa vontade de se referir ao estilo estético do original, tanto na fotografia cinza, chuvosa e meio barroca, quanto na vontade de se perder em digressões que preparam aquele momento onde um erro, escorregão ou azar, se tornam a tragédia de um dos personagens. Mas isso acaba logo depois. Mas isso não é ruim, pelo contrário.
A Primeira Profecia não é um filme sobre sustos e nem um “slasher” com um vilão invisível (como o primeiro e original), mas sim um terror moderno e incômodo, que brinca muito mais com o clima de pesadelo que os anos 70 adoravam e que, recentemente, virou moda entre o gênero. Portanto, depois do começo lento e desalinhado, tudo se torna muito mais envolvente e perturbador. Em certos momentos será até fácil entender a classificação indicativa 18 anos no Brasil.
Em certo momento, a sequência com o parto de uma personagem é uma aula de como construir um terror baseado em cortes precisos e uma visão absolutamente poderosa da diretora, que não expõe nada de tão violento ou gore, mas que constrói a sensação de algo tão dolorido e fora do normal que, não só dá a dica para a reviravolta final, como começa a preparar o filme para um clima que marca o resto do filme.
Do momento em diante que A Primeira Profecia assume suas intenções estéticas, tudo melhora bastante. Uma mistura de efeitos práticos, com uma montagem acelerada, uma trilha sonora sinistra (e ótima) e um desenho de som que cria um mundo de ruídos e barulhos que compõe uma realidade onde essa força maléfica está rondando todos personagens.
Nell Tiger Free e Sônia Braga aproveitam bem tudo isso. A brasileira, mais do que nunca, parece perfeita para explorar essa personalidade de vilã macabra e muito má. Já a jovem atriz protagonista, consegue construir três personagens razoavelmente diferentes e se dar bem em todos momentos. Dá freira insegura até um momento de mulher fatal e, por fim, ainda tendo que lidar com uma certa mistura de loucura com dor e até possessão, se aproveitando de todas oportunidades para se tornar, talvez, o maior destaque do filme.
Mas ainda assim é um filme que tem tudo aliado a uma intenção clara de aproveitar a marca original para fazer um punhado de dólares. Por ser um filme barato, talvez se pague, mas (muito provavelmente) não conseguirá ir muito além disso, afinal, nem o remake de 2006 o fez. Como se o filme original e suas continuações estivessem longe o suficiente para as novas gerações reconhecerem sua importância e suas referências. E, parafraseando a própria trama do filme, não adianta simplesmente colocar um “diabo qualquer” no mundo esperando que ele vá salvar a franquia.
Não vai, portanto, não esperem por uma continuação… e se forem então experimentar os filmes originais, não fiquem chateados de descobrir que tudo parece não “bater”. Mas tudo bem, divirtam-se que todos valem a pena e são imprescindíveis para o gênero, ainda que A Primeira Profecia acabe não entrando nessa
“The First Omen” (EUA, 2024); escrito por Arkasha Stevenson, Tim Smith, Keith Thomas e Ben Jacoby; dirigido por Arkasha Stevenson; com Neil Tiger Free, Ralph Ineson, Sônia Braga, Tawfeek Barhom, Maria Caballero, Charles Dance, Bill Nighy, Nicole Sorace e Ishtar Currie-Wilson.