Resumidamente, Grindhouse era para ser um projeto/homenagem que Quentin Tarantino e Robert Rodriguez fariam ao gênero Exploitation dos anos 70, aquelas produções baratas e exageradas, cheias de sangue (e mais um monte de outras coisas que iam contra a moral e os bons costumes), com suas sessões duplas, sempre lançadas em pequenos cinemas sujos e velhos (daí o nome), mas que, com tudo isso, ainda assim criavam uma legião de fãs.
A ideia inicial dos dois diretores era fazer isso cada um em separado em um filme. Rodrigues ficou à frente de Planeta Terror e Tarantino com seu À Prova de Morte. Em comum entre eles, somente a vontade de homenagear o gênero e, ainda por cima, fazer de tudo para emular aquela mesma “linguagem”, isso sem esquecer os filmes sujos, riscados, que pulavam e mais qualquer subterfúgio que colocasse o público naquele clima (criando até um monte de trailers de produções falsas para passar entre suas exibições). Infelizmente o grande público não entendeu a piada, os filmes acabaram separados (inicialmente a ideia era passar os dois em uma mesma sessão, coisa que até aconteceu brevemente em alguns lugares) e a magia ficou um pouco para trás.
No Brasil, enquanto Planeta Terror chegou por aqui logo depois de seu lançamento, À Prova de Morte só dá as caras nos cinemas nacionais três anos depois, o que, não só prejudicará totalmente a carreira do filme como, até mais que o de Rodriguez, surgirá nos cinemas como uma experiência manca, sozinha dentro de um ideia que se tornou capenga. Muito mais que o outro filme, À Prova de Morte precisa que o espectador entre naquele clima para entender seu humor, já que Planeta Terror acaba, visto os dois, se tornando algo muito mais escrachada.
O filme sobre algumas “inocentes” garotas que acabam cruzando o caminho do psicopata Dublê Mike (Kurt Russel), nas mãos de Quentin Tarantino é fino e elegante. Primeiro, pelo enorme controle narrativo que ele tem sobre seu filmes e todas suas nuances, depois pelo jeito como ele se diverte fazendo de tudo para colocar a platéia nesse clima exploitation setentista.
Cada conversa, cada ângulo e cada movimento de câmera de Tarantino é um espetáculo a ser analisado, principalmente por seu poder em usar tudo isso a favor de seus personagens e tramas. Sem nem bem mostrar as caras de suas personagens, em poucos minutos de filme você consegue descobrir a função de cada uma dentro, se não da trama, pelo menos nesse primeiro núcleo de garotas. E o que não consegue ser contado ali vai ser logo extrapolado com uma conversa entre as três dentro do carro, essa sim, apresentando perfeitamente bem o que cada uma é, nesse caso sem nada, a não ser três ângulos de câmera, três atrizes e os melhores diálogos que o cinema atual pode ter. Sem exageros.
Se ao longo dos anos, e em cada filme seu, Tarantino parece criar mais e mais controle sobre toda linguagem cinematográfica, o que nunca mudou (desde seus roteiros antes mesmo de sentar na cadeira de diretor) é sua qualidade extraordinária para diálogos. Não puramente um momento dentro do filme onde seus personagens falam, mas sim aqueles instante em que ele só precisa apontar sua câmera para seus atores, deixando-os, por meio dessas linhas, comporem, talvez, os melhores personagens que Hollywood produz. Não que ele seja o melhor “cineasta da história”, não é e nem provavelmente será, mas é inevitável que seu nome do alto do cartaz faz o espectador ter certeza que vai ganhar um bom punhado de diálogos e personagens que serão, com certeza, lembrados muito depois do fim dessa sessão.
Em À Prova de Morte Tarantino segue isso à risca, criando um entrosamento enorme entre o espectador e essas pessoas dentro dessa história, principalmente com Dublê Mike e seu carro “à prova de morte”. O melhor disso é perceber que, mesmo desde o começo com você já sabendo as reais intenções dele, é impossível não se orgulhar desse psicopata ao receber o “lap dance” de uma das garotas, tudo isso, praticamente antes de começar o filme, pois, o diretor não se preocupa em, poucos instantes depois, fazer você se sentir órfão e sozinho dentro dessa mesma história, com apenas o Dublê Mike para lhe fazer companhia.
É nesse momento que você entende o grande plano de Tarantino, que te deixa à vontade com as garotas, com a trama e com o modus operandi do assassino que agora embarca no seu real objetivo, dando-lhe então a chance de você prever onde tudo pode dar errado para o Dublê Mike. Ainda são três (logo quatro) garotas sexys em um muscle car, mas aos poucos o espectador vai percebendo que aquela fragilidade anterior fica para trás, isso sem em nenhum momento esfregar nada na cara de ninguém. Uma grande conversa entre o quarteto durante o café da manhã faz para elas o mesmo que o diretor já tinha feito com seu grupo de ladrões em Cães de Aluguel, depois disso, as peças já estão montada e grande jogo pode começar.
Mas não são só esses diálogos “divagantemente objetivos” que fazem de À Prova de Morte um espetáculo, é talvez mais ainda o caldeirão de referências que Tarantino sempre usa para cozinhar seus filmes, o que ganha mais sabor ainda ao seguir a risca a idéia exploitation de Grindhouse e fazer o cinema inteiro mergulhar nesse clima setentista, criando ainda um verdadeiro paradoxo entre, tanto a primeira com a segunda parte, quanto na derradeira com ela mesma. Enquanto seus dois grupos de “vítimas inocentes” parecem viver em épocas diferentes, o diretor faz questão de “acordar” seu espectador para essas mudanças, tanto com cores que somem e voltam, quanto pela direção de arte e pela própria presença de um mundo contemporâneo. Tarantino cria um filme onde seus personagens, nem seus espectadores, sabem em que época estão, permitindo uma imersão maior ainda na ideia de carregar todos para um daqueles velhos cinemas nos anos 70.
Quando os dois carros velhos (ou clássicos, como você preferir) voam para o meio de uma auto-estrada, depois de um bom tempo se batendo em uma estrada de terra, o espectador é praticamente tirado de um coma temporal, sendo obrigado até a deixar um tema datado subir nos auto-falantes para minimizar um pouco a transição. Do mesmo jeito que o refrigerante ao cair na maquina devolve a cor a toda cena e te mostra o quanto elas são diferentes daquilo tudo que você estava imaginando (assim como te chama de volta para aquele filme que parecia ter acabado, no hospital com os dois policiais optando por uma corrida de Nascar).
E é exatamente desse tipo de atitude que o filme de Tarantino mais se apoia, já que ele sabe que um filme exploitation que se preze não precisa ter muitas decisões e situações racionais, já que o grande mote é empurrar aquela trama para um momento específico, nesse caso a vingança contra o Dublê Mike e seu carro, que acaba se provando realmente “à prova de morte” para o azar do mesmo. De uma hora para outra Tarantino convida seus espectadores para essa caçada, sem muita explicação, apenas uma vontade de satisfazer a platéia com essa vingança.
Por fim, o diretor ainda mostra uma nova e empolgante faceta sua como diretor de ação, já que pela primeira vez se envolve em uma perseguição de carro em um de seus filmes e, como no resto do tempo, dá um verdadeiro show, não só tecnicamente, mas no modo com que trata essas sequências como resultado de um terreno que ele prepara, sempre perfeitamente encaixadas dentro do contexto.
E é esse contexto que faz Tarantino um dos maiores diretores da atualidade, por seu poder de criar histórias concisas e coerentes, onde tudo se completa e vive em uma harmonia pouco vista (ou tentada) pelo cinema atual, desde a trama em si até suas trilhas sonoras sempre inspiradas (a da primeira parte é sensacional, já que em nenhum momento é uma trilha sonora que não diegética, mas sim saída sempre de algum rádio ou jukebox). Talvez seja exatamente esse controle sobre o que esta fazendo que aponte Tarantino não só como um cineasta que se reinventa a cada filme, mas sim, um que se permite fazer isso experimentando dentro de cada produção que faz, como se brincasse de fazer cinema e compartilhasse com sua platéia a diversão de tudo isso.
“Death Proof” (EUA, 2007) escrito e dirigido por Quentin Tarantino, com Kurt Russel, Zoe Bell, Rosário Dawson, Sydney Tamiia Poitier, Vanessa Ferlito, Tracie Thoms, Rose McGowan, Jordan Ladd, Mary Elizabeth Winstead, Eli Roth e Omar Doom
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[…] Griundhouse, nome do projeto, foi então formado por Planeta Terror, dirigido por Rodrigues, A Prova de Morte, por Tarantino e mais cinco trailers de lançamentos que não […]
muito obrigado, a atriz é realmente belissima.
Parabéns pelo site, leio bastante as resenhas, muito booas.
o nome dela é Vanessa Ferlito e o último filme dela lançado no Brasil foi a sequencia de “Wall Street” (https://www.cinemaqui.com.br/criticas-de-filmes/wall-street-o-dinheiro-nunca-dorme)
que morena gostosa a da foto, qual nome da atriz ?