O título original de A Semente do Mal é “Amelia’s Children” (em português: Crianças de Amélia), o que faz muito mais sentido. No Brasil, o nome, além de vago lembra qualquer outro terror de sustos que já tenha estreado. O que é uma injustiça, pois este é um entretenimento sem sustos baratos.
Para isso, ele mantém o terror psicológico, o que está de bom tamanho quando olhamos para a matriarca de uma família muito estranha. Ela passou por cirurgias plásticas o suficiente para perdermos o elo entre uma máscara e um ser humano. A linha tênue entre a feiura e a caricatura.
Anabela Moreira é a Amélia do título original desta produção belga-portuguesa. Ela emana e sugere uma figura conhecida da mãe que precisa comer seus filhos para permanecer jovem, um tema recorrente em muitos contos de fadas e mitos antigos. Esta figura é frequentemente retratada como uma bruxa ou uma criatura sobrenatural. Embora a origem exata deste tema seja difícil de rastrear, ele aparece em várias culturas ao redor do mundo.
No contexto de A Semente do Mal, este mito atemporal é usado para explorar temas de vaidade, obsessão pela juventude e a degeneração do amor materno em uma obsessão doentia. A mãe, Amélia, torna-se um símbolo de terror, com suas cirurgias plásticas excessivas e sua transformação de uma figura materna em uma caricatura grotesca e assustadora.
A construção do enredo merece destaque. Ele parte de um lugar comum na tecnologia de hoje em dia com rastreamento de descendentes através da análise genética e nos remete para uma casa secular no meio de uma floresta portuguesa, terra-natal de Ed, que mora em Nova Iorque junto da jovem Riley. Ambos são yuppies e não possuem família próxima. Ed principalmente. Ele nunca soube de suas origens até ser presenteado por Riley com um desses serviços de rastreamento, o que o faz se reencontrar com sua mãe e seu até então desconhecido irmão gêmeo Manuel.
E quando você descobre que há um irmão gêmeo na jogada, o formato de uma novela vem à mente. O casal parte para o casarão isolado e, encantados a princípio, logo cada um irá trilhar caminhos diferentes nesta história.
Ed e Manuel são interpretados por Carloto Cotta e não há momento algum que você duvide que são duas pessoas distintas, com histórias de vida totalmente diferentes. Tudo bem que Ed com seu moletom surrado e usado logo se assemelha a um paciente em hospital psiquiátrico, sem muita personalidade para exibir. É Riley a responsável por mover a trama.
Ela é interpretada por Brigette Lundy-Paine com uma leveza inicial que lentamente se transforma em medo, angústia, desgosto e puro pavor. Sua voz oscila da certeza da intuição feminina até o ápice de não saber se sairá viva deste pesadelo da “vida real”.
A Semente do Mal poderia ser um estudo de personagens perturbador não fosse seu roteiro esquemático que está em busca daqueles fãs do “neo terror” da última década. A estrutura do suspense dramático segue todas as fórmulas que foram aos poucos sendo redescobertas no cinema dos últimos anos. Desde o moletom de Ed remetendo às vestes de dormir de Amelia Vanek tendo que cuidar de seu filho inquieto em Babadook sem conseguir ter um momento de paz, dormindo acordada, até a alusão leve e sutil de herdeiros que se aproveitam do status quo construído ao longo de gerações para permanecerem impunes ao que quer que façam, criminosos ou não (Corra!).
Infelizmente, ao se entregar demais às fórmulas, a produção bem dirigida por Gabriel Abrantes não mergulha junto na loucura do seu universo pecaminoso e cruel. Em contrapartida irá soar muito mais palatável à “elite” dos consumidores de terror desta década, um grupo de cinéfilos tão exigentes que existe uma fórmula a ser seguida para agradá-los. Para alguns (muitos) a ironia se perde entre as palavras que acabei de escrever.
“Amelia’s Children” (Por, 2023); escrito e dirigido por Gabriel Abrantes; com Brigette Lundy-Paine, Carloto Cotta e Anabela Moreira.