A Suprema Felicidade

Por Vinicius Carlos Vieira em 30 de Outubro de 2010

Talvez possa parecer que não, mas a calma e a certeza com que Arnaldo Jabor leva seu “A Suprema Felicidade” até o último segundo, onde o personagem de Marco Nanini funde sua dança, malandramente carioca, sobre a imagem do próprio Rio de Janeiro, demonstra que tudo aquilo é exatamente o resultado que ele tinha em mente. Por mais que se comporte extremamente mal como cinema.

E isso fica mais claro ainda quando em certo momento o protagonista, com sua carga autobiográfica, dá de cara com a zona de baixo meretrício e um crime contra uma de suas “funcionárias”, um sequencia que até tem seu peso, mas entra e sai na linha narrativa sem ter a menor importância, como por um luxo de seu realizador, que, por sua vez, parece mais preocupado em contar essa e outras histórias, mesmo que tenha que sacrificar o filme para isso. Jabor parece perdido em recordações, piadas, termos e sacanagens em livros de anatomia, coisas que com certeza fizeram essa época tão romântica, mas aqui só resultam em um desequilíbrio geral.

Como se tivesse muito mais amor e melancolia pelo Rio de Janeiro do meio do século do que pelo cinema e por seu próprio filme, o que condena totalmente seu resultado.

O pior de tudo isso é perceber um tremendo acerto na caracterização da época, mas ver isso pouco interferir no geral, já que na maioria dos outros quesitos tudo apenas vaga preguiçosamente por um fio frágil de trama, que não parece fazer questão de convergir em um ponto e esquece seus personagens pelos cantos de sua história. Uma direção de arte impecável, tanto nos cenários quantos nas roupas (bem verdade derrapa um pouco nas maquiagens), mas que não consegue esconder o desleixo cinematográfico de “A Suprema Felicidade”.

Desleixado, pois não se compromete a juntar as peças dentro das próprias sequências. Em uma mesma cena o clima pode ir da “suprema felicidade” a imensa depressão sem que esse terreno tenha sido preparado, fazendo assim com que seus personagens acabem beirando uma bipolaridade incômoda, já que suas angustias pouco são exploradas, apenas seus momentos de depressão surgem através da trama. Isso é ainda mais evidente diante de uma trilha sonora sem a menor habilidade, óbvia e sem vida, “seu vestido é lindo” ganha um monte de acordes abertos e felizes, mas que, tão logo, na mesma cena, se transformam e um violino sinistro e pesado quando ele pergunta “como sua mãe morreu”. Esquizofrenia e melodrama demais para apenas uma conversa entre dois personagens.

Isso sem falar em uma certa sequencia musical com um bloco de carnaval (daqueles de rua) surgindo de lugar nenhum e contagiando todos personagens e extras que estavam por ali, fazendo-os entrar em uma coreografia pouquíssimo, ou nada, natural. O que seria legal e convidativo em um musical, mas que aqui acaba tirando ainda mais o sentido de todo filme.

Mas não que o filme não tenha sentido, só não consegue descobrir que clima quer levar, se pretende se apoiar no discurso lírico de um Fellini ou no pé no chão de um Truffault, uma ausência de foco que o deixa então, apenas se enroscar em um limbo meio chato, que não conta uma história completa, nem tampouco desenvolve seu personagem o bastante para carregar o filme. Seu protagonista, Paulo, não aprende nada quando criança, não toma uma ou outra pancada como adolescente, nem usa nada disso com seus dezenove anos, somente por que Jabor não perde tempo suficiente em nenhuma dessas fases.

Na verdade corre demais entre as duas primeiras, e perde, justamente essas que, muito provavelmente mais agradariam ao público, pela inocência, pelo proibido, pela descoberta e pela felicidade. Por outro lado, acaba indo de cabeça demais nessa terceira fase, mais adulta, meio chateada até, sem deixar seu espectador se apegar ao garotinho que estava ali.

Para Jabor faltou sensibilidade para levar sua história, talvez enferrujado dos anos longe da câmera, já que sempre teve esse olho clinico para levar suas histórias, talvez até por simplesmente, estar apenas à procura desse mosaico de peças meio desencaixadas, que trata tudo de modo quadrado e centralizado, que olha para a nudez de modo sem graça e corriqueiro, que não seduz seu público para ela e até encara um peito nu com certo desprezo.

Essa falta de “mão” de Jabor fica mais clara ainda ao desperdiçar o tom da maioria de seus personagens, tanto com diálogos burocráticos quanto com uma filosofia barata e quadrada, que encara Deus, vai à procura do amor nos lugares errados e pouco se preocupa em importunar o status quo e a mesmice. Talvez um pouco careta demais para a filmografia do diretor, o que vai decepcionar quem já teve contato com o cineasta Arnaldo Jabor em outras épocas.

E essa ferrugem também cria um elenco incomodado com seus papeis, um protagonista que, muitas vezes, se perde diante da multidão, um Dan Stulbach geralmente muito preciso no que faz, porém aqui, como o pai do protagonista, perdido em um personagem equivocado e sem foco, infelizmente, apenas um reflexo de todo resto. Na outra ponta Marco Nanini, como o avô, é o único que realmente consegue olhar para onde ir e faz o que pode. Perto do fim, em um monólogo emocionado, muito provavelmente é a única coisa do filme que cria esse sentimento, mas um ponto tardio, que já não faz diferença para o filme.

Mas sobre tudo isso, Arnaldo Jabor parece indiferente, já satisfeito em imprimir suas memórias, pouco importando com a construção disso tudo, melancólico e apaixonado pela boemia carioca e deixando aqui sua verdadeira homenagem a ela, mesmo com só ele se divertindo ao fazer isso.

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Idem  (Bra, 2010) escrito por Arnaldo Jabor e Ananda Rubinstein, dirigido por Arnaldo Jabor, com Ary Fontoura, Maria Flor, Caio Manhente, Elke Maravilha, Jayme Matarazzo, Marco Nanini, Dan Stulbach

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