Afterimage é uma breve biografia que se passa em uma distopia onde o governo proíbe toda forma de Arte contra seus interesses e… ops. Espera. Não é uma distopia, é a Polônia soviética.
Ambientado como de costume em obras dessa época, sob uma paleta de cores cinzenta e fria, os únicos tons que arriscam um pouco de felicidade estão nos quadros do pintor Wladyslaw Strzeminski e seus alunos. Ele é professor de História da Arte, um dos precursores do avant-garde, e aparentemente tudo ia bem em sua vida, ainda que com a esposa adoecida. Até ele começar uma nova tela e ela ficar com um tom avermelhado, denunciando o enorme cartaz que está sendo pendurado na fachada do seu prédio com a figura do ditador Joseph Stalin, e metaforicamente denunciando uma mudança nos rumos daquela sociedade.
Os acontecimentos de Afterimage seguem uma narrativa literal, episódica, que tem por objetivo mostrar como este artista vai sendo encurralado pelo sistema. Contra o regime de exploração capitalista vai nascendo um regime igualitário para as massas logo abaixo (claro) dos que reorganizam as instituições, e onde a moeda corrente muda para o suporte à nova ideologia, onde se você não está a favor deve estar necessariamente contra.
O diretor polonês Andrzej Wajda em seu último filme (ele faleceu em 2016) transforma este filme em momentos icônicos e onde o quadro geral de cada cena-chave nos dá a impressão de estarmos observando uma pintura. E se a primeira pintura é feliz, de alunos pintando a paisagem ensolarada de uma tarde de verão, a última tem o potencial de cortar o coração. Isso se no processo você não se render ao conformismo apático que o filme sugere. Não há soluções mágicas nem heróis nesta história, porque isto seria ingênuo e bobo. O único heroísmo frente a uma realidade que deseja massacrar e uniformizar a alma de todos é se manter firme em suas convicções.
Apesar de ser uma pequena biografia narrando os últimos anos do pintor, com referências pontuais ao seu passado militante pela Revolução, e conter um aspecto geral mais ou menos realista, não é possível desassociar seu universo de algo semelhante ao visto em 1984, romance de George Orwell e filme de Michael Radford, onde o controle de pensamento das pessoas chega a níveis inimagináveis. Mas como este filme demonstra, a imaginação humana pode criar desde as mais incríveis invenções até os mais sórdidos experimentos. Fica claro que esta é uma história que demonstra o segundo extremo.
Porém, sem conseguir emplacar um personagem forte e determinado, pois não há aqui espaço para o heroísmo romântico, a experiência empalidece e vai se tornando parecido com qualquer outro trabalho sobre totalitarismo que não possui um contra-hino a ser cantado. Ou seja, não é um trabalho que se destaque ao ponto de estar no hall de filmes marcantes. Porém, seu trabalho é tão conciso e consistente, que se torna uma experiência se não nova, gratificante. Pelo menos o mínimo está sendo dito, de maneira igualmente econômica. O nome do filme é extraído desse efeito que nossos olhos possuem, de reter as cores da realidade absorvida pela consciência debaixo de nossas pálpebras. É como se Wajda estivesse alertando sobre o passado que acabamos de ver, e como isso soa o contrário do que vivemos agora. Ledo engano.
As poucas notas do piano, usadas parcimoniosamente, denunciam mais uma vez a economia que Wajda utiliza. Ele, que já se esbanjou de exageros em um de seus principais trabalhos, Terra Prometida, onde caricaturizava os capitalistas do início da Revolução Industrial, aqui soa menos inquieto, mais conformista e, paradoxalmente, mais revolucionário ainda.
É curioso que Wajda tenha vindo a falecer em tempos que voltam a lembrar a roda da História, repetindo tudo em ciclos. Ele é um dos bravos que hoje em dia desafia o “status quo” realizando um filme cuja ideologia vai contra praticamente tudo o que o mundo vem produzindo, infectado pela mente “igualitarista” do politicamente correto.
Um bravo sem futuro que nos alerta sobre o passado, que inevitavelmente se repete, embora não da mesma forma. Com conhecimento de causa (ele viveu o comunismo polonês), junto de seu povo ele ergue a bandeira da desassociação com o pensamento dominante. Ele é o Wladyslaw Strzeminski que não aplaude ministros da cultura invadindo sua escola e seus métodos de ensino. Ele é o paladino que não se rende ao discurso fácil de justiça social que alardeia seu vazio ideológico sem perceber que, no fundo, está apenas latindo ao vento. Uma salva de palmas ao inconformismo dentro de todos nós; palmas essas batidas pelos que, independente do que a massa queira, continua a pintar seu quadro da vida, belo porque é único.
“Powidoki” (Poland, 2016), escrito por Andrzej Wajda e Andrzej Mularczyk, dirigido por Andrzej Wajda, com Boguslaw Linda, Aleksandra Justa, Bronislawa Zamachowska, Zofia Wichlacz, Krzysztof Pieczynski