por Vinicius Carlos Vieira em 11 de Janeiro de 2011

“Além da Vida”, novo filme de Clint Eastwood não empolga, não é visualmente extraordinário (a não ser por algumas poucas cenas), não tem uma trama surpreendente, muito menos atuações marcantes. Mas como é medianamente impecável!

Aqui, quem está presente é aquele mesmo diretor sensível de “Menina de Ouro” (e até de “Pontes de Madison”) que se preocupa em contar sua história como quem conta um conto de fadas na ponta da cama de seu filho (nesse caso seus espectadores). Em nenhum momento, tanto ele quanto o roteiro de Peter Morgan (que faz a mesma coisa em “Maldito Futebol Clube”), se deixam ser reféns de uma história ou de uma trama, mas sim de um momento, um ponto chave (nesse caso um cruzamento de caminhos), que define aqueles personagens. Resumindo, “Além da Vida” é na verdade sobre o encontro daquelas três pessoas, o que vem antes é só para você saber como eles chegaram ali.

E talvez seja por isso que seu filme empolgue menos, já que no cinema a enorme maioria de pessoas fica a espera desse momento anunciado, que, por um lado cria uma enorme expectativa, mas por outro não se deixa ser o ponto alto do filme, já que esse caminho é feito com calma. Do jeito que o filme pede, e consegue.

Nele, esses três personagens, em momentos diferentes, dão de cara com a morte e acabam tendo que despertar diante dessa dor. De um lado, Marie (Cecile De France, que protagonizou um dos melhores terrores da década, “Alta Tensão” em 2003) é uma jornalista francesa que é vítima do Tsunami de 2004 no Oceano Índico e acaba tendo uma experiência pós morte. Do outro, um pequeno garoto na Inglaterra, junto com seu irmão gêmeo (de acordo com o IMDB ambos papeis feitos pelos irmãos Franck e George McLaren, sem distinção), tem que conviver com a mãe viciada enquanto tentam não irem para a adoção, até um acidente interrompe tudo isso. Por fim, em São Francisco, George Lonegan (Matt Damon) é um vidente que resolveu largar a profissão, ainda que, de um jeito ou de outro, seu dom de falar com o outro lado sempre acabe voltando.

Eastwood então olha para essas três pessoas e monta um mosaico sobre o assunto, já que ela só quer entender o que aconteceu, acreditar naquilo que passou e mostrar para o mundo que o que viu é real, enquanto o vidente, já tem certeza disso tudo, mas acaba perseguido pela dor das pessoas, razão pela qual teve que se isolar do mundo ao seu redor, da fama e do dinheiro (de suas sessões de comunicação) para ter uma vida normal. E talvez quem ligue esses mundos seja justamente o menino, que perde essa metade (o irmão), mas não desiste de ir à sua procura, talvez não em busca de um contato, mas sim da certeza que ainda o verá.

Essa estrutura é tão bem composta que sua enorme linearidade pouco (ou nada) incomoda. A montagem de Joel Cox e Gary Roach (ambos companheiros de Eastwood de outros filmes) não inventa nada, posiciona ação de modo geográfico, mostra o personagem e o conflito daquela cena e calmamente vai embora em direção ao outro protagonista, como se soubessem que, já que em cada ida e volta sempre terão o que mostrar em um roteiro enxuto, não precisam se preocupar com pirotecnias visuais, só o arroz com feijão. Muito bem composto, mas só isso mesmo.

Mas seria presunçoso confundir isso com mediocridade, já que, diante de um assunto sensível e personagens profundos e críveis, Eastwood escolhe então pegar o caminho da realidade. Seu filme não é permeado por situações e lugares reais de graça, mas sim para ancorar tudo aquilo no mundo daquelas pessoas que estão no escuro daquela sala. Como se, a não ser pelas partes de ficção, fosse baseado em fatos reais (por mais que isso pareça não fazer sentido, mas faz sim). Tanto o Tsunami de 2004, que é o ponto de partida do filme (além de já se candidatar a uma das sequencias mais impressionantes do cinema no ano), quanto o atentado ao metrô inglês, um ano depois (que também dá as caras em certo momento do filme) estão lá para dar essa credibilidade que a discussão sobre vida após a morte precisa ter para não cair em uma simples propaganda de religião ou crença.

Mas não se engane, ela está lá, nos olhos incrédulos do namorado da jornalista, ou nos charlatões que “trombam” com o menino, até no irmão do vidente, que acaba não conseguindo diferenciar o dom, de uma maldição e por fim do dinheiro. Assim como, no fim das contas, os três personagens são levados por essa vontade de acreditar nessa sequencia, nessa continuação de vida, mas tudo de modo tão sutil que em nenhum momento deixa a impressão estar ali em razão de algo que não seja o de acrescentar profundidade na história dessas três pessoas.

E é sobre tudo isso que aparece a mão pesada do diretor, com concepções visuais fortes e composições plásticas. Do mesmo modo que cada lado desse triângulo ganha sua palheta de cores, Eastwood ainda parece fazer questão de tratar cada um desses momentos como filmes totalmente diferentes. É impossível não perceber logo de cara onde a história está naquele momento, antes mesmo da presença dos atores. A São Francisco do vidente é arrastada como o próprio, tendo que conviver com aquele ritmo moroso, enquanto a Londres do menino precisa andar muito mais rápido, junto com a busca dele. Por fim, a jornalista é obrigada a viver em um mundo que aos poucos vai a afastando mais e mais, até ela se encontrar sozinha, apenas com aquilo que acredita.

Eastwood ainda acha tempo para criar verdadeiras pinturas em movimento, como quando uma família ao redor de uma doente terminal espera por seu ultimo sopro de vida, ou até quando Damon permanece sozinho em sua cozinha curvado sobre o prato de macarrão. E esses momentos visualmente sensíveis só dão as caras exatamente por esse dom que o diretor tem de fazer seu espectador sentir aquilo que está vendo na tela. Que faz com que, diante de seus filmes, o espectador consiga compartilhar das dores, das alegrias, das rejeições e das esperanças de seus personagens. E isso vale muito mais que qualquer milhão de dólares de produção.

É justamente por isso que Eastwood não se envergonha de acabar seu filme com um aperto de mão dos mais sinceros que o cinema possa ver, justamente por conseguir fazer com que, ali dentro do cinema, todos se sintam tão livres daquele peso quanto os dois personagens naquele momento. Um sentimento tremendamente verdadeiro que faz até com que o filmes mais medianos valham a ida ao cinema.

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Little Fockers (EUA, 2010), escrito Peter Morgan, dirigido por Clint Eastwood, com Cécile de France, Thierry Neuvic, Matt Damon, Jay Mohr, Frankie McLaren, George McLaren e Bryce Dallas Howard

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