[dropcap]A[/dropcap]lien, o Oitavo Passageiro ficou durante quatro semanas no topo dos filmes mais vistos do EUA, custou mais ou menos 11 milhões e arrecadou algo em torno de dez vezes esse número. Se tornou um marco na história do cinema tão grande que, para muitos, voltar a tocar em seu nome talvez fosse algo perto de uma blasfêmia.
Mas os tempos eram outros e Hollywood já tinha sentido o gosto do cinema autoral da década passada, se divertido com isso e passado adiante, o importante agora era muito mais as cifras. E um número 2 ao lado de um sucesso era sempre meio caminho andado.
Ainda que, nesse caso, ir para o plural mostrava ainda mais vontade de ser conquistar seu público do jeito mais fácil.
Das Piranhas aos Caça-Fantasmas
Mas Ridley Scott já tinha contribuído com aquilo tudo, além de amargar o fracasso de bilheteria Blade Runner (mesmo tendo se tornado o clássico que é), então, quem carregaria o fardo pesado de tentar continuar uma história que parecia completamente finalizada? Eis que aparece em cena o jovem James Cameron.
Ainda com menos de 30 anos, Cameron tinha acabado dirigir a continuação do trash Piranhas quando começou “um certo projeto” sobre uma espécie de ciborgue que volta do futuro para “exterminar” a mãe de um dos líderes da resistência humana contra as máquinas. Foi exatamente durante a pré-produção de Exterminador do Futuro que o cineasta descobriu que a Fox poderia estar interessada em dar continuidade ao filme de Scott, o que o levou a escrever a prévia de um roteiro de 45 páginas, que logo se tornou 90 (já que Schwarzenegger teve que se ausentar do filme por um tempo e a produção “ficou de férias”).
Do lado da Fox, a promessa: se esse seu filme ai do ciborgue fizer sucesso, Alien 2 estará em suas mãos. Eis então que o filme ganhava seu diretor.
Sem Scott e com Cameron ditando as regras, entre algumas coisas que ele não largaria de mão estava ter Sigourney Weaver de volta ao papel de Ripley (ainda que a própria Fox tenha lhe pedido para pensar em um filme sem a personagem). Diferente de Scott, Weaver ia de vento em poupa, tendo colado em seu currículo trabalhos com diretores renomados como Peter Yates em Testemunha Fatal, Peter Weir em O Ano em que Vivemos em Perigo e até Willian Friedkin (em de seus momentos menos interessantes) com Uma Tacada da Pesada. Além de, é claro, ter participado do sucesso Os Caça Fantasmas. O resultado disso tudo foi um “leve” aumento de US$ 33 mil do primeiro filme para US$ 1 milhão em seu cachê.
A continuação de Alien então abre seus créditos iniciais com três fatores que fariam com que, aquilo visto em 1979 se tornasse um “tio velho” que ainda gosta “daqueles filmes de suspense”. Ao invés de um número dois, um “s” (“Aliens” no original), mostrando que aquele papo de “8° Passageiro” tinha ficado para trás. No credito do filme um bem grande “by James Cameron”. Por fim, Sigourney Weaver encabeçando um elenco praticamente desconhecido (o inverso do primeiro). Sai a sutileza entra o pé na porta.
This Time It´s War
Dessa vez, nada mais de mistérios e suspense, Aliens, O Resgate se torna então um reflexo do enorme ego de Cameron e da ideia principal de não repetir nada daquilo que já tinha sido feito. A continuação agora tem jeito de blockbuster, custo de blockbuster, lançamento de blockbuster e muitas explosões, tiros, armas e aliens. Tudo como um campeão de bilheterias da década de 80 merece ter.
A história começa com Ripley sendo resgatada no espaço, vagando em animação suspensa por meio século e chegando a uma estação em orbita da Terra. Desacreditada pela cúpula da Weyland-Yutani sobre o que realmente aconteceu à bordo da Nostromo, sua única chance de reaver sua permissão para voltar a voar (já que perdeu sua licença) é escoltar um grupo de fuzileiros que irão investigar uma colônia de “terraformação” que perdeu o contato, justamente, no planeta/lua LV-426, o mesmo em que ela afirma ter encontrado com a tal espécie alienígena.
O Resgate então, acorda, assim como no filme anterior, mas agora em uma nave cheia de soldados armados até os dentes, durões, cheios de personalidade e com uma vontade natural de atirar em tudo que se mexer em suas frentes. Ninguém à bordo daquela nave pode ser considerado vitima, muito pelo contrário, já que Cameron tira a surpresa de colocar o grupo de personagens movidos por uma ameaça e os deixa terem a cara de serem eles próprios a ameaça.
A própria Ripley, perdida nesse mar de testosterona (com direito até a um capitão gritando ordens) deixa de ser aquela sobrevivente correndo pelos corredores escuros em fuga e se permite ser uma verdadeira heroína de filme de ação, que logo bate de frente com todos esses machões e, em pouco tempo, mostra quem manda nessa franquia.
A bordo da nave Sulaco (que, à titulo de referência, é a cidade onde se passa o romance Nostromo de Joseph Conrad) Cameron não está nem ai para esbanjar o óbvio, traçar recompensas para serem pescadas mais tarde pelo espectador e assinalar, mais na cara ainda, quem deve voltar a colocar o pé naquela nave e quem deve se transformar em comida de alienígena. Cameron cria um filme mais ativo, onde tudo acontece o tempo todo, onde Ripley sobe e maneja essa empilhadeira/exoesqueleto temperada a frases de efeito e poses em close-ups, e não engana ninguém ao, no final de tudo, revisitar o equipamento como ápice de seu final.
Cameron parece se sentir tremendamente confortável nesse monte de clichês de personagens de filmes de guerra e, desde o começo, só parece ter um objetivo: divertir.
Mais ainda, em uma década que ainda mastigava a perda da Guerra do Vietnã, o cinema via nisso um combustível para todo tipo de filme sobre o assunto. Já tendo visto obras de arte como Apocalipse Now e Franco-Atirador (Platoon seria lançado no mesmo ano, em 1986) e já se tornando passatempo raso e escapista em filmes como Braddock e De Volta ao Inferno, sobra a Cameron fazer o mesmo que Scott fez com os slashers: transportar tudo para o espaço, nesse caso o LV-426.
O único interesse de Aliens, O Resgate é colocar esse batalhão (armado, cheio de uniformes surrados e personalizados, dentro de uma nave semelhante a uma metralhadora M60) contra esse inimigo muito menos equipado, mas que, como está em seu quintal de casa, luta até a sua última gota de sangue (e em certo momento até se embrenham por túneis).
E para a ação começar Cameron (que tem a ajuda nos roteiros de David Giler e Water Hill, que até hoje brigam por não terem sido creditados nos textos do primeiro) nem se envergonha de resolver problemas de modo rasteiro e simples, como uma atmosfera artificial (já que o suspense de não sobreviver à céu aberto não interessa ao filme) e até uma nave via controle remoto. Cameron quer ação, e quando ela começa, é preciso dizer que poucas vezes o mesmo nível conseguiu ser atingido depois disso.
Fique Longe Dela, Sua Cadela!
Sob o ataque de um número incontável de criaturas, Ripley e “seu” batalhão passam por todas certezas de um filme de guerra, no resgate de uma vítima, no primeiro encontro com seus inimigos, em um Álamo (e aparente última esperança de sobrevivência), em uma contagem regressiva final e, para completar, uma derradeira ameaça no último segundo… tudo regado a aliens negros e mortíferos aparecendo em todos cantos escuros, portas, armários, tetos e onde mais couber um alien. Melhor ainda, tudo recebido a muita, mas muita bala.
E tudo graças àquele ego que parece mover James Cameron em toda sua carreira. O que nem é ruim, já que tudo em que bota a mão precisa ser enorme, cheio de personalidade e com sua assinatura (nem a intervenção de H.G Digger, criador do visual do primeiro ele aceitou). Mesmo que tanto estética quanto narrativamente, Cameron não seja um diretor à ser lembrado, é impossível discutir, tanto o ritmo com que trata suas cenas de ação impressionantes (a sequencia do contador de balas diminuído enquanto empilha corpos de aliens no escuro é genial!), quanto seus personagens marcantes. Cameron dá a Aliens o mesmo ritmo frenético que Scott impõe no final do primeiro. Mas com a diferença que agora isso dura mais da metade do filme.
Cameron então não cria só uma continuação pertinente, mas, mais ainda, uma nova possibilidade para toda franquia. Assim como Ash faz no primeiro ao introduzir a Weyland, Alien agora poderia ser um filme de ação (o que é resgatado na quarta produção). E quando Ripley desce no elevador em direção ao ninho de aliens, empunhando aquela arma customizada (meio metralhadora meio lança-chamas), Cameron, definitivamente, tira dela o que lhe restava de vítima (e sobrevivente) e lhe dá status de heroína de ação, talvez em uma das maiores do cinema.
Curiosamente, Cameron faz exatamente a mesma transição com outra personagem sua, Sarah Connor, que surge em Exterminador do Futuro 2 bem diferente daquela que acaba o primeiro filme.
E é exatamente isso que move o diretor, essas referências que sempre permeiam suas obras (ou ninguém reconhece toda parafernália mecânica de Aliens 2 em seu Avatar?), essas motivações simples (Ripley até ganha um “nova filha”, já que Scott lhe tirou a dela com os acontecimentos do primeiro) e esse monte de momentos inesquecíveis (como o “Fique longe dela, sua cadela!”), mas nunca tornando tudo isso um exercício clássico, apenas aquele bom e velho “cinemão pipoca”.
Do mesmo jeito que é óbvio, completamente mastigado e sem motivações complicadas (difícil entender como Ripley aceita tão facilmente a presença de um ciborgue “para chamar de seu” depois de Ash… mas essa relação precisa existir para mover a trama), é impossível negar o quanto Aliens, o Resgate empolga e seja bem resolvido no que se propõe, assim como extrapola tudo, explode praticamente o planeta inteiro e fecha a história como uma continuação, mas sem nunca se comparar ao trabalho de Ridley Scott, que preferiu fazer uma obra-prima à um filme de ação.
Confira o Especial Série Alien
“Aliens” (EUA, 1986), escrito por James Cameron, David Giler e Walter Hill, dirigido por James Cameron, com Sigourney Weaver, Carrie Henn, Michael Biehn, Paul Reiser, Lance Henriksen, Bil Paxton, William Hope, Janette Goldstein e Al Matthews