*o filme faz parte da cobertura da 43° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
[dropcap]A[/dropcap]lva nos captura desde o começo como um documentário sobre a vida de uma pessoa pacata que parece inofensiva, mas vai no decorrer de sua duração nos mostrando o ponto de vista de alguém que vive dentro de cada um de nós, ainda que não saibamos disso. E melhor prova disso é nós torcermos por este personagem, inconscientemente, apenas porque começamos o filme simpatizando com sua rotina.
O longa de Ico Costa usa a linguagem da câmera na mão e cenários simples para nos enganar como patinhos. Apresentando o ator Henrique Bonacho completamente possuído (na falta de uma palavra melhor, tamanho o talento de Bonacho) pela figura de uma pessoa do campo simples e humilde, que mora sozinha e fala pouco, a história verdadeiramente começa quando há essa quebra da crença em um documentário quando este protagonista faz algo impensável se ele fosse uma pessoa real.
Porém, apesar de vermos o que ele fez e momentaneamente ajustarmos nossa suspensão de descrença, continuamos acreditando no tom documental. Isso nos mostra que a linguagem que Costa está nos impondo acaba exercendo um poder muito maior de nos convencer sobre qual o tom da história sendo contada. Após esse momento catártico, acompanhamos unicamente pelo ponto de vista dessa pessoa o que ela faz a seguir, mais curiosos ainda sobre onde isso vai dar.
Simples e sem qualquer elemento a mais do que seja a sobrevivência mais primitiva de um ser humano, Alva é uma jornada que apesar de ser entregue em um ritmo super-lento nos mantém em alerta por todo o percurso. Anestesiados pela identificação com o protagonista, note como quando ele encontra um amigo no bar nos sentimos no direito de julgar o que o amigo fala em seguida, e entenderá que maluquice é essa que o filme fez, de nos colocar como cúmplice ideológico de uma pessoa para logo depois condenar os que assim o fazem.
“Alva” (Por/Fra/Arg, 2019), escrito e dirigido por Ico Costa, com Henrique Bonacho.