Antes de assinar o roteiro do primeiro John Wick, vulgo no Brasil, De Volta ao Jogo, Derek Kolstad estava lá com o nome grudado no cartaz dos textos de duas produções estreladas por Dolph Lundgren, o que diz um pouquinho sobre o resultado final dos filmes. Mas Kolstad realmente deu a volta por cima, inventou o John Wick, mudou o cenário atual dos filmes de ação e agora se diverte com sua própria fórmula em Anônimo.
A premissa não foge muito da “nova velha” ideia de uma motivação mundana que coloca um personagem com um passado misterioso e um monte daqueles bandidos que estavam no lugar errado e na hora errada, já que provocam ele e o resultado é uma pilha gigantesca de ossos quebrados e corpos mortos, tudo de maneiras criativas, violentas e com uma direção que valoriza bem as coreografias.
Nesse caso, Hutch Mansell, vivido por Bob Odenkirk (que tem uma carreira três décadas maior do que só o Saul) é um pai de família comum, que de segunda a segunda fica por lá na sua vida chata e com parentes que parecem não ter mais muita admiração por ele. Até que a casa deles é invadida por um casal de assaltantes… e o pai não faz nada. O que faz ele ser ainda mais deixado de lado por todo mundo.
O problema (para os bandidos, não para a família) é que Hutch na verdade é um ex-agente do governo dos EUA, daqueles que parecem não estar ligado a nenhuma sigla e fazem o trabalho sujo para todas elas. E essa vontade de voltar ao passado lhe faz ir atrás dos bandidos, o problema (mais um!) é que nessa jornada ele acaba trombando com um grupo de jovens ligados à máfia russa. “Trombando” sendo um jeito simpático de falar que quebrou todos de porrada e provocou a ira de um bandido psicopata com seu exército de capangas prontos para virarem estatística em filme de ação.
Como é sempre necessário, para um filme desses dar certo é preciso ter um diretor minimamente interessado nesse tipo de gênero, a carta da vez é o russo Ilya Naishuller que, entre um monte de direções de clipes, ficou conhecido por assinar o completamente doido e frenético Hardcore: Missão Extrema (aquele que é inteiro pelo ponto de vista do protagonista).
O cineasta entende perfeitamente bem as necessidades do filme e não tenta emular “seu primo com Keanu Reeves”, faz algo dele, completamente violento e com uma câmera que sabe valorizar as coreografias de ação através de uma distância sadia das lutas e cenas de tiroteios. Essas decisões estéticas são ainda mais valorizadas pela presença do próprio Odenkirk na maioria das cenas, o que facilita o diretor na hora de “olhar de frente” para seu protagonista.
Naishuller ainda sabe espremer do ator e do roteiro uma espécie de bom humor sutil e que casa bem com o filme. É impossível levar a sério a grande maioria das ideias, fazer isso com a cara de pau dos envolvidos faz com o filme seja ainda mais interessante. É óbvio que a experiência de Odenkirk na comédia ajuda bastante, mas ainda assim a leveza de Anônimo surge desse lugar onde tudo parece uma paródia exagerada do gênero.
Já do lado de Hutch, o personagem, Anônimo está o tempo inteiro o impedindo de estar no filme que mais quer, umas espécie de noir amargurado onde ele poderia contar sua vida para os bandidos ou para os próprios espectadores, mas ele não está lá para isso e sim para acabar com alguns bandidos (dezenas deles). Por isso, se a ideia é não lhe dar espaço para comandar seu próprio filme, muito provavelmente vai ter que se esforçar ainda mais, já que o sucesso do filme e todos seus acertos, com certeza, abrem as portas para mais quantas sequências o filme conseguir emplacar.
Se um dia Derek Kolstad teve que ver seu material ser interpretado (ou não interpretado) por Dolph Lundgren, agora, depois de John Wick (e toda franquia) e Anônimo, seu nome, mais do que nunca, se tornou uma verdadeira grife na hora dos fãs de filmes de ação com personagens prontos para descer porrada num quantidade divertidamente grande de vilões e capangas.
“Nobody” (EUA/Jap/Chn, 2021); escrito por Derek Kolstad; dirigido por Ilya Naishuller; com Bob Odenkirk, Aleksey Serebruakov, Connie Nielsen, Chritopher Lloyd, Michael Ironside e RZA.