[dropcap]A[/dropcap]ntologia da Cidade Fantasma é um terror psicológico que flerta com questões sociais sem conseguir desenvolver com sucesso nenhuma delas. Porém, a atmosfera opressiva que o clima de inverno exerce sobre essas pessoas é quase um personagem à parte, e isso vale a pena acompanhar.
A fotografia escura, quase a apagar as casas e as pessoas que vivem em torno de toda aquela neve, as ventanias que correm pela estrada e pela planície deserta, os ambientes fechados com pouca luz. Tudo isso colabora para esse clima claustrofóbico que começa quando vemos toda a cidade reunida em uma casa para velar pela morte de um de seus habitantes mais jovens, Simon. Todos concordam que ele cometeu suicídio ao jogar seu carro em um muro. Concordam porque todos já pensaram em fazer o mesmo alguma vez em duas vidas.
Este é um filme que cria um ambiente depressivo coletivo e o sustenta como tema principal. Há uma prefeita que adota seus cidadãos como uma mãe possessiva e ciumenta que evita ajuda externa. O isolamento no inverno vai se tornando menos geográfico e mais psicológico, e aos poucos alguns de seus habitantes vão sendo apresentados através da dinâmica do dia-a-dia.
Mas sem se aprofundar em nenhum deles, a história se move apenas em função de sua reviravolta sobrenatural, que pode até ser criativa, mas não consegue causar um impacto por muito tempo, já que é uma arma que só possui uma bala. Quando atirada, refletimos por alguns momentos, e logo nos acostumamos com a visão de uma nova cidade onde o incrível é visto com desdém.
Há possibilidade de enfiar uma alegoria política e social, como qualquer filme onde a fantasia e o sobrenatural são usados para chamar a atenção. Porém, ou o livro de Laurence Olivier é fraco em suas metáforas ou a adaptação solta do cineasta Denis Côté não nos fornece pistas suficientes para que esta vire uma camada extra do seu universo fantástico em que fantasmas e seres humanos parecem estar convivendo.
Josée Deschênes faz uma prefeita possessiva que recebe uma psicóloga em seu gabinete com arrogância, a dispensando como se essas funções fossem abalar a unidade que se formou nessa cidadezinha do interior do Canadá. Ela não é uma caricatura, é humanizada até o limite do estereótipo por Deschênes, e em vários momentos você desconfia ser essa a personagem forte que irá resolver algo no terceiro ato, assim como cada um dos personagens que vão sendo apresentados podem parecer essa solução mágica, sendo que nenhum deles de fato é. A “antologia” aposta nessa receita de não existir protagonistas, nem personagens, apenas pessoas, em um desdém cinematográfico pelas fórmulas que vem produzindo cada vez mais filmes inertes, sem energia e identidade.
“Répertoire Des Villes Disparues” (Can, 2019), escrito e dirigido por Denis Côté, baseado no livro de Laurence Olivier, com Robert Naylor, Josée Deschênes e Jean-Michel Anctil.