Assim Como no Céu | Críticas do Filme | CinemAqui

Assim Como no Céu | Hipnótico


Muitos ritos de passagem para a fase adulta são romantizados. A beleza da puberdade e da inocência acontecendo juntas podem ser uma experiência transformadora, além de enriquecedora do ser. Porém, Assim Como no Céu não quer ser um exemplo virtuoso, mas o inferno na Terra.

Só que sua beleza narrativa e estética não nos deixa tristes. Há momentos compenetrantes neste curto filme que exerce uma espécie de hipnose no espectador, que está vivendo esse inferno junto da heroína, Lise, que não sabe se sua mãe sobreviverá, depois de inúmeros filhos e filhas, a mais um difícil, antigo e caseiro trabalho de parto.

Estamos em uma época com pouca ciência e muita religião, ou tradição. Uma época em que a colheita é o relógio natural dos seres humanos. A função das mulheres é parir e cuidar dos afazeres do lar, e se o lar é uma fazenda, os afazeres são imensos e a rotina acachapante. A sorte momentânea de Lise é que sua mãe quer que ela vá para a escola e transcenda essa ordem natural feminina. Por isso a situação de sua mãe pós-parto, com a saúde fragilizada, vira uma questão de vida ou morte para as duas, pois uma vez que a mãe morra ela, que é primogênita, precisa cuidar da casa. Para sempre. Ela herda a tiara da mãe e pode escolher cortar o cabelo, que é até onde irá sua liberdade se ficar órfã.

Nesse clima sem controle e sem esperança o mais curioso no longa de estreia da diretora Tea Lindeburg, e o que mais impressiona no filme, é o estupendo trabalho de fotografia de Marcel Zyskind, que evoca uma época de luz natural, geralmente vista em quadros pintados. As cores são sóbrias e escuras, sacrificando a nitidez pela linguagem, o que é mais belo do que uma imagem límpida. Lembra a época dos filmes de película, mas ao mesmo tempo a escolha artística de tons na era pré-câmera. O resultado não poderia ser mais poderoso e evocativo.

Outro traço belíssimo de Assim Como no Céu é sua não-insistência em dominar a narrativa, no sentido de “defender um lado”, algo que vem estragando o cinema como um todo. Aqui não sentimos discursos sociais sendo empurrados goela abaixo, pois mensagem e filme são indissociáveis, como deve ser um trabalho maduro, ciente de si, incapaz de se trair. Não vemos um momento apelativo, o que é outro traço maravilhoso do filme em abraçar os tempos ingênuos, ou melhor dizendo, legítimos. Ele não titubeia, e com isso se torna mais poderoso. Suas cenas finais ecoam pela sala.

Uma sessão tensa. Não é comovente. É um soco psicológico no estômago. Nunca um filme tem um final tão triste sem precisar fazer nada para isso. Exceto existir.


“Du Som er I Himlen” (Din, 2021); escrito por Marie Bregendahl e Tea Lindeburg; dirigido por Tea Lindeburg; com Flora Ofelia Hofmann Lindahl, Ida Cæcilie Rasmussen e Palma Lindeburg Leth.


O filme faz parte da cobertura da 45° Mostra de Cinema de São Paulo

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