Biografias tendem a ser chatas quando seguem muito à risca a visão literária do autor. Quando se trata de uma autobiografia, esse risco dobra. Portanto, por mais que Astrágalo seja burocrático e arrastado na maioria do tempo, de certa forma é um alívio notar a beleza de suas composições em preto e branco, além de sua estética vazia, embora evocativa de uma época charmosa. Uma época em que bandidos se davam ao luxo de serem charmosos.

No entanto, Astrágalo não é exatamente um representante do gênero noir, onde as sombras escondem algo mais que não conseguimos ver. Tudo é muito cristalino. Criando sua dose de amor instantânea em seus primeiros minutos, quando vemos Julien (Reda Kateb) salvar Albertine (Leïla Bekhti) de sua fuga da prisão (uma cena forte), o amor vai crescendo de forma assimétrica entre eles e entre cortes secos no tempo. A recuperação de Albertine logo traz de volta suas cicatrizes passadas: uma amiga um tanto desonesta que sequer gosta da filha e a parceira do crime que a colocou na prisão.

Baseado no livro da própria Albertine Sarrazin, a diretora Brigitte Sy escolhe mostrar o que teoricamente conseguiria trazer um pouco de reflexão para uma história com poucas virtudes dramáticas, exceto pela desesperança da vida de Albertine. Entrega à própria sorte, logo ela se vê vendendo seu corpo para conseguir seu próprio dinheiro, mas não sem nunca se esquecer de quem lhe deu uma nova vida. Julien poderia muito bem ser um desses carrascos que usam mulheres indefesas para compor um harém, e o filme de certa forma flerta com isso. No entanto, talvez embaçada pela visão de uma bandida apaixonada por outro bandido, a vida narrada pela protagonista carece de fontes confiáveis, soando novelística demais, mesmo com alguns percalços colocados pelo caminho.

Astrágalo Crítica

Um deles diz respeito ao seu osso quebrado durante a fuga. Um osso pequeno do pé, que irá lhe impedir de andar normalmente pelo resto da vida. Parecendo sempre necessitar de um suporte, a metáfora é eficiente: depois de livre novamente, seu salvador se torna sua muleta na Terra. Se livrar dele não lhe parece nem cômodo, nem desejável.

Filmado com enquadramentos deslumbrantes, como um em que vemos apenas uma linha horizontal por onde se move Albetine e dois tempos (seu torso e suas pernas), Astrágalo é uma experiência extenuante mesmo em sua pouco mais de uma hora e meia de duração. O que é curioso, pois muitos de seus momentos poderiam facilmente virar quadros belíssimos de uma França vista através de perfis muito próximos da câmera ou meros objetos de cena. A beleza plástica, ao que me parece, não consegue substituir a falta de uma trama minimamente interessante.


“L’astragale” (France, 2015), escrito por Serge Le Péron, Albertine Sarrazin, Brigitte Sy, dirigido por Brigitte Sy, com Leïla Bekhti, Reda Kateb, Esther Garrel, Jocelyne Desverchère, India Hair


Trailer – Astrágalo

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