Um dos problemas do gênero policial é um certo engessamento com que ele tem que conviver mas que, de tempos em tempos, alguém consegue quebrá-lo. Antoine Fuqua conseguiu isso em seu Dia de Treinamento, ao inverter os papeis principais e dar a Denzel Washington seu Oscar, mas, infelizmente, quase uma década depois, retorna ao gênero sem tanto sucesso e faz de seu “Atraídos pelo Crime” um filme interessante, mas que derrapa em um moralismo pouco corajoso.
Aquele mesmo moralismo que sempre parece ser um dos maiores inimigos dos filmes policiais, que quase sempre impede seus cineastas de apostarem suas fichas em protagonistas que realmente pouco se importam em ficar naquele limite entre o bandido e o mocinho clássico. Por mais que Fuqua aposte em uma trama com três personagens transtornados pelas decisões que tiveram que tomar, não consegue levar isso até o final. Como se a partir de um certo momento o filme surpreendesse com uma reviravolta, surpresa, que mostra uma “certa” honestidade nas ações de cada um dos três.
Ethan Hawke é um detetive empurrado para aquela tênue linha entre a justiça e a criminalidade por não conseguir dar conta de uma penca de filhos e da mulher grávida de gêmeos, optando por, em alguns momentos, dar um novo caminho para o dinheiro achado em algumas batidas policiais. Richard Gere, um policial literalmente em fim de carreira, já que conta seus últimos dias antes da aposentadoria, tem que passar seus ensinamentos para um novato enquanto se arrasta em sua vida pessoal. Por fim, Don Cheadle trabalha disfarçado em uma gangue de traficantes a mais tempo do que realmente sua sanidade lhe permite, deixando difícil qualquer dicernimento mais forte entre o certo e o errado.
Três histórias que nem sequer tentam ser muito mais que fragmentos mais que manjados de outros milhões de filmes, mas que aqui funcionam por acabarem ganhando um status de mosaico, que olha para elas como faces de uma mesma história, uma sobre decisões que são tomadas e que carregam o trio de personagens para um limite incômodo. E justamente por apostar nessa trama, e não na força de seus personagens, que Fuqua acaba não conseguindo segurar seu filme, se tornando refém de esteriótipos, não só do trio mas também narrativos, e deixando pouco espaço para qualquer coisa se desenvolver, privando-os de caminhos a serem seguidos.
Cria um afunilamento inevitável de cada uma das tramas ao mesmo tempo que toma um cuidado excessivo em não dar uma outra opção a nenhum dos protagonistas, praticamente obrigando o espectador a concordar com qualquer que seja seu caminho, por mais que fadado à desgraça. Porém, ainda que isso até se mostre desonesto e um pouco manipulador, acaba sendo a engrenagem que move o filme à aquele ato final de heroísmo e sacrifício que é esperado desde o começo do filme, Gere atrás de um suspiro de vida, Cheadle por sua honra e Hawke em uma tentativa desesperada de salvar sua família.
E ainda que consiga primar por uma estrutura interessante que não esfrega na cara, e muito menos força os caminhos dos três a se cruzarem, optando por levar até o fim esse aspecto paralelo do resto filme, em que mesmo sem se encontrarem (salvo verdadeiros esbarrões) compartilham de um um mundo, de uma cidade e decisões que reverberam na vida dos outros dois, acabam perdendo um pouco de força por uma moralidade pouco compatível com a forma do filme, como se sentisse uma obrigação de punir quem sai da lei, por qualquer que sejam suas necessidades e premiar quem consegue ficar dentro dela, um resultado pouco inspirado diante de um roteiro que parecia apontar demais para um outro lado. Menos “bonzinho” e mais “real”.
No fim das contas, Atraídos pelo Crime se mostra um policial competente, com uma estrutura interessante e um trio de atores que seguram muito bem seus papeis, assim como o filme em si, que, por sua vez, não conseguem levar até seu clímax todo discurso que faz questão de ter desde o começo, onde as vezes a lei fica em segundo plano quando a vida está em primeiro lugar, e onde o errado as vezes se torna certo diante de um outro ponto de vista. Optando por uma solução onde, mesmo com o mundo caindo à sua volta, é só relar no lado do crime que você será punido com balas (mesmo que por engano), moralmente correto, mas equivocado quando todo resto parece mais interessado em equilibrar-se em um corda bamba, e não cair para um dos lados dela.
Brooklyn´s Finnest (EUA, 2009) escrito por Michael C. Martin, dirigido por Antoine Fuqua, com Richard Gere, Ethan Hawke, Don Cheadle, Wesley Snipes e Bryan F. O´Byrne.