Mesmo contendo um forte teor educativo, As Aventuras de Peabody & Sherman consegue transmitir suas mensagens sem ser pedante ou chato e, no processo, cria uma obra chamativa para as crianças, mas divertida e cativante para todos os públicos. Mesmo não trazendo elementos inovadores, funciona, principalmente, por nos apresentar a personagens carismáticos, bem construídos e por aproveitar o teor histórico como fonte de humor.
Baseado na série animada criada por Jay Ward na década de 60, o longa dirigido por Rob Minkoff (um dos diretores de O Rei Leão) e escrito por Craig Wright, nos apresenta ao Sr. Sherman, um cão genial que, depois de ser rejeitado por qualquer potencial dono, recusando a se comportar como um cachorro comum, decide dedicar sua incrível inteligência aos estudos e à ciência. Ao deparar-se com um bebê abandonado em um beco em um dia chuvoso, ele então sente-se compelido a dar um lar para aquele garoto e batalha na justiça pelo direito de adotá-lo. “Se um menino pode adotar um cão, não vejo porque um cão não pode adotar um menino”, declara o juiz ao dar lhe a guarda de Sherman. Assim, uma improvável família é formada – Minkoff, aqui, inverte a lógica dos dois O Pequeno Stuart Little, que dirigiu.
Agora, porém, Peabody depara-se com um grande desafio: lidar com o início da vida escolar do filho. Isso, em um ambiente em que qualquer pequena característica pode originar bullying, como uma colega de Sherman, Penny, usando o fato de ele ter um cachorro como pai para zoá-lo depois de sentir-se humilhada pelos conhecimentos de história do garoto (que recebeu lições ao vivo de Peabody através de viagens na máquina do tempo inventada por seu pai, justamente com o propósito de levá-lo para presenciar momentos importantes e conhecer personagens históricos).
Depois de ser convocado para uma reunião com o diretor da escola em que descobre que uma assistente social está determinada a provar que Peabody é inapto para criar um menino humano, o cão organiza um jantar para Penny e seus pais. Em uma tentativa de fazer amizade com a colega, Sherman acaba mencionando a máquina do tempo, e a ambiciosa Penny decide testá-la. No Egito Antigo, ela é coroada rainha, e o apavorado Sherman, que não tinha permissão de pilotar a máquina sozinho, pede a ajuda do pai para resgatá-la. Segue-se, então, uma série de pulos pelo passado e, entre outras aventuras, presenciamos o sorriso de Mona Lisa ao posar para Leonardo da Vinci e a entrega do Cavalo de Tróia.
É admirável que um longa-metragem que poderia facilmente tornar-se episódico, apenas uma série de sequências através da história, consiga criar uma narrativa concisa. Assim, mesmo em meio a aventuras e problemas, a temática principal de Peabody & Sherman – pai e filho crescendo juntos e aprendendo melhor a lidar um com o outro – encontra-se presente. O bom desenvolvimento dos personagens também é essencial para que a obra funcione: Peabody, por exemplo, é um gênio que, apesar de amar profundamente o filho, tem dificuldades para reconhecê-lo como alguém com vontades e desejos próprios, além de manter uma certa distância através de sua formalidade, como ao exigir que o garoto o chame de “Sr. Peabody” e não de pai e ao responder ao “eu te amo” de Sherman com um “também sinto uma profunda afeição por você”. Já Sherman é um garoto genial à sua maneira que, crescendo com a supervisão constante do pai, agora tem que aprender a tomar as próprias decisões. Penny também é uma personagem interessante, e é importante notar que ela inicialmente humilha Sherman não por maldade, mas por sua personalidade competitiva (o que, claro, não justifica suas ações), e o gradual crescimento de sua relação com o garoto é bem construído.
Minkoff comanda a direção e o 3D com segurança e, ao investir no uso de fundos pretos e nos objetos com cores fortes, principalmente o vermelho, cria belas imagens. A montagem também é eficiente, com destaque para o corte que transforma as ondas coloridas do espaço-tempo por onde a máquina viaja nas dunas do Egito. Sem se preocupar muito com os funcionamentos da viagem no tempo, a solução para o problema principal do filme, no terceiro ato, não é muito convincente, mas não isto não é um problema, já que Peabody & Sherman não tem a ambição de inovar neste sentido. Da mesma forma, os constantes momentos em que Sherman não compreende o sarcasmo de Peabody logo tornam-se cansativos (o que não acontece com a tendência do cão de utilizar trocadilhos).
Aproveitando bem sua galeria de personagens históricos, o filme traz momentos inspirados como da Vinci pintando versões pop art de Mona Lisa e Albert Einstein fascinado pelo cubo mágico. As Aventuras de Peabody & Sherman, assim, é uma obra que traz referências divertidas e eficientes sem esquecer seu foco – e seu público – principal, criando, no caminho, personagens admiráveis.
“Mr. Peabody & Sherman” (EUA, 2014), escrito por Craig Wright, dirigido por Rob Minkoff, com as vozes (no original) de Ty Burrell, Max Charles, Ariel Winter, Lauri Fraser, Guillaume Aretos, Allison Janney, Stephen Colbert, Leslie Mann, Stanley Tucci, Lake Bell e Jess Harnell.