Besouro Azul | Ninguém contava com essa astúcia

Diante da ideia de que a crítica de cinema tem funções diferentes diante de qualquer filme, Besouro Azul pode (e deve) ser enxergado através de duas óticas diferentes. Uma delas encarando-o como o filme de super-herói que ele é. Outra, sobre o filme de super-herói que, obviamente, ele gostaria de ser. O que é uma pena para ambos os lados a serem encarados.

O lado super-herói simples é apenas mais do mesmo. Mas um “mais do mesmo” visualmente caprichado, com personagens divertidos e efeitos especiais que deixam a experiência muito menos dolorosa do que, por exemplo, ocorreu em The Flash.

O roteiro escrito por Gareth Dunnet-Alcocer, que o pessoal não deve conhecer do texto de Miss Bala (uma produção que passou absolutamente despercebida por todos), pega o caminho mais óbvio possível do “herói que ganha poderes vindo de um herói mais antigo e enfrenta um vilão mau com um capanga que tem poderes iguais ao do herói”. Nenhuma surpresa, mas isso não deve ser um problema, já que de Zorro à Homem-Formiga, um monte de gente já fez isso e ninguém reclama demais.

No caso, Xolo Maridueña (da série Kobra Kai) é um jovem de uma família mexicana que volta para a sua cidade, Palmera City, depois de terminar a faculdade e acaba tendo que enfrentar os mesmos problemas sociais e econômicos deles. Até que, trabalhando em um hotel qualquer como empregado, esbarra em Jenny Kord (Bruna Marquezine), filha do herdeiro da empresa batizada com seu sobrenome, que sumiu em uma de suas aventuras e deixou tudo com a irmã, Victoria Kord (Susan Sarandon). Mas o pai de Jenny era na verdade o Besouro Azul.

O herói cuidava da cidade e também era um cientista que ficou a vida inteira tentando entender o funcionamento de um escaravelho alienígena que agora foi encontrado pela irmã e, adivinhem… vai parar nas mãos de Jaime e faz dele seu hospedeiro.

Portanto, Besouro Azul acompanha esse novo Besouro Azul entendendo seus novos poderes enquanto foge da vilã preguiçosa e estereotipada vivida por Sarandon, que a seu favor tem o capanga Carapax (Raoul Max Trujillo), ou OMAC. Esse, mais um easter-egg para os fãs da DC do que uma decisão que faça sentido dentro da história, já que se a ideia é ele ser um “exército de um homem só”, ter um exército de OMACs beira a estupidez. Mas tudo bem, o visual é legal e os bonequinhos vão fazer um baita sucesso (mesmo dando arrepios aos fãs de Jack Kirby, criador do personagem original).

Até esse momento, tudo certo. Parecendo um monte de coisas e esquecível, mas colorido e divertido o suficiente para sair do cinema com vontade de mais Besouro Azul. Para os brasileiros ainda mais, com o adendo da estreia de Bruna Marquezine em Hollywood em um trabalho acima da média e um milhão de vezes mais esforçado do que Sarandon, por exemplo. A simpatia dela só não é maior do que a da família do protagonista, todos mexicanos até o último pingo de molho de pimenta habanero. E se você achou essa frase preconceituosa, não se preocupe, o filme não acharia.

É óbvio que Besouro Azul é uma escolha da Warner/DC de emplacar um super-herói latino e que converse com o pessoal com as raízes vindas de abaixo do Rio Grande. Angel Manuel Soto vem de Porto Rico e tem uma carreira inteira de produções ligadas a esse lado latino da América. Tirando a novaiorquina Sarandon, o resto do elenco também não economiza sobrenomes latinos. Portanto, se o objetivo do estúdio não é focado nesse público, então tudo que virá a seguir desse texto é só uma problematização sem sentido da parte desse que escreve essas linhas.

Principalmente, pois se a ideia era colocar toda essa latinidade dentro do DCEU (do novo!) falta sensibilidade para não cair em absolutamente todas armadilhas ligadas a essa espécie de preconceito velado. Quase como um olhar distorcido para o próprio público que querem celebrar.

Não que a família de Reyes seja um clichê, ela tem absolutamente todos os clichês. Do carro com buzina que canta, até a avó forte e com um passado de revolucionária. Tudo isso em uma cidade que metade parece um bairro mexicano criado por um diretor de arte que nunca pisou no México e só conhece a cidade através dos desenhos do Pernalonga, enquanto a outra metade é um oceano de prédios gigantes de projeções holográficas.

Quase como se a única crítica social feita pelo filme seja o dessa cidade que está mandando embora suas tradições latinas para substituir tudo por essa metrópole cinza. Tudo bem, é uma crítica, mas tirando o final onde a família Reyes descobrem a existência de um sentimento de “barrio”, no resto do tempo, apenas contemplam o irremediável como se fosse apenas uma fase. Fica até difícil de entender como “la abuela” Nana Reyes (Adriana Barraza) não se revolta com a situação, mesmo com o divertido “passado revolucionário”.

E se o tio Rudy Reyes (George Lopez) é uma espécie de gênio latino antifascista, na hora de “falar sério”, acha perfeitamente normal o irmão e pai do herói, Alberto Reyes (Damián Alcázar), ter fugido do México para uma vida melhor, mas ter encontrado apenas uma vida inteira de subempregos mal remunerados e uma velhice onde está às portas do despejo junto com toda sua família, “mas ele é que foi o herói”. Uma série de questões que parecem apenas deixar com que a ótica distorcida dessa latinidade se abrace com “la tierra da la libertad” e não o “justicia, tierra y libertad” da revolução mexicana.

Maquiado de diversidade, Besouro Azul só repete os mesmos erros que não param de ser repetidos em Hollywood e também na visão maniqueísta yankee. Um herói latino, para um público latino, feito por latinos, mas que só sabe ser aquele mesmo latino de sempre.

“Más ágil que una tortuga, más fuerte que un ratón, más noble que una lechuga, su escudo es un corazón…” Enquanto o Chapolin Colorado defendia os fracos e oprimidos brincando com a imagem irreal e exagerada dos super-heróis americanos, Besouro Azul até lembra do famoso herói mexicano da série dos anos 70, mas parece não entender suas “astúcias”. O resultado é um filme de super-herói que se deixa ser igual a todos e perde a oportunidade de ser um filme de super-herói diferente dos demais.

“Blue Beetle” (EUA, 2023); escrito por Gareth Dunnet-Alcocer; dirigido por Angel Manuel Soto; com Xolo Maridueña, Bruna Marquezine, Becky G (voz), Damián Alcázar, George Lopez, Adriana Barraza, Belissa Escobedo, Elpidia Carrillo, Susan Sarandon e Raoul Max Trujillo

SINOPSE – Um jovem latino é escolhido como receptáculo de um escaravelho alienígena com um enorme poder, mas precisa enfrentar uma empresária com intenções pouco pacifistas de explorar esse poder.

Trailer do Filme – Besouro Azul

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