Como se constrói bem a tensão nesse thriller em busca de justiça, mas todas as esperanças por ela vão embora depois que o castelo de cartas construído por este padre e sua protegida cai abaixo. Nós somos conduzidos através da ingenuidade e senso puro de fazer o que é certo de Blanquita e nos esquecemos como o mundo é muito mais cruel e complexo lá fora.
Inspirados em eventos reais, acompanhamos um escândalo sexual envolvendo um político de alto escalão sob o ponto de vista de uma das garotas abusadas e um padre que cuida de um abrigo para jovens com traumas de abusos. Enquanto o padre interpretado por Alejandro Goic mantém uma áura de bondade que incomoda por ser boa demais, a interpretação de uma nota só da sem sorrisos Laura López funciona como uma cara que se mostra à tapa, apesar de construir uma ideia em vez de uma personagem. Suas motivações, falsas ou não, acabam não importando.
Caímos no mesmo golpe de assumir o papel de vítima, mas não pensar no que a move por essa “via crucis” por onde ninguém gostaria de caminhar. Dinheiro? Ter uma moradia? O filme assume a inocência da protagonista porque é isso o que o público alvo irá naturalmente buscar e pré-aprovar. Se você pensar no filme sem cinismo vai ser mais fácil acompanhar essa luta inocente, mas perderá a oportunidade de perceber como o mundo construído e criado pelo diretor Fernando Guzzoni várias vezes se configura como cinza.
A própria visão da religião está multifacetada, como a hierarquia da igreja católica e sua ainda presente conexão com os poderosos. Há também a sempre grande vertente evangélica e seu expurgo fácil da culpa. E, por fim, um padre sem nenhuma intenção exceto ajudar esta “niña”, lembrando um pouco o padre de Ricardo Darín em Elefante Branco, ou filmes em geral, um clichê, onde o religioso fica com o papel de defender sua comunidade que resolveu abraçar.
É icônica também a forma como o suporte do início de todos envolvidos, como a psicóloga e a deputada, vai perdendo as forças aos poucos, até sobrar apenas os dois que iniciaram essa luta.
A câmera subjetiva de Guzzoni serve a todo momento para nos colocar no lugar dessas pessoas, mas a disposição dos personagens nos cenários não indica isso. É um trabalho apressado e formal para um roteiro maravilhoso. Curioso que o próprio Fernando Guzzoni, que escreveu o roteiro, na direção não viu ou não aproveitou o potencial dessa história. No entanto, todo o filme é tenso e envolvente. Faz lembrar que um bom roteiro sempre vai vencer uma direção medíocre. Já a melhor das direções provavelmente não salva um roteiro ruim.
A grande sacada no subtexto da história surge com base nas confissões de um garoto que também sofreu abusos, mas sendo borderline é incapaz de se defender ou se tornar um testemunho válido, o que acaba formando os alicerces da construção de uma mentira que poderia ser verdade e assim criar um caso digno de um processo contra o poderoso político. Porém, ao mesmo tempo essa sacada colabora para entendermos o mecanismo de gado que se formou na atualidade, onde dizer a verdade é a maior das armadilhas, e construir uma mentira das mais convenientes acaba não sendo uma solução quando você precisa atacar os intocáveis.
“Blanquita” (Chi/Mex/Fra/Lux/Pol, 2022), escrito e dirigido por Fernando Guzzoni, com Laura López, Alejandro Goic e Amparo Noguera.
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