Americano não gosta de legendas. Hollywood ainda por cima é uma indústria de cinema formada por estúdios mimados e com dinheiro de sobra. O resultado disso é uma vontade sistemática de refilmar sucessos falados em outras línguas para adaptar aos ouvidos yankees. Não se enganem, isso acontece em todos os gêneros, mas nenhum sofre tanto quanto o terror. E a vítima da vez é Boa Noite, Mamãe.
Para quem não ligou o nome à pessoa, a nova produção do Amazon Studios é o remake do austríaco de 2014 que foi batizado no Brasil com o mesmo nome e tinha a mesma história. Porém era um exemplo aflitivo e perturbador de uma ideia que deve ter dado pesadelos para muita gente. Já a versão americana… bom ela é só um terrorzinho covarde e bobo.
E é óbvio que é necessário comparar ambos, afinal, o mercado americano preferiu ignorar o primeiro, consumi-lo como deveria (chegou até a ser a escolha da Áustria para o Oscar, mas não foi um dos finalistas da lista da Academia). Portanto, Boa Noite, Mamãe é um exemplo perfeito de como Hollywood tem a capacidade de comprar um filme só para destruí-lo.
A história é quase a mesma. Dois garotos gêmeos que vão morar com a mãe em uma casa afastada de tudo, mas chegando lá encontram ela com a cabeça envolta em bandagens pós uma cirurgia estética. Em pouco tempo os dois então começam a estranhar o comportamento da mãe e chegam à conclusão que aquela mulher não é a mãe deles, o que os obriga a agir para encontrar a mãe real, mesmo que isso os leve a “vias de fato”.
No comando da versão americana está Matt Sobel, que tem um jeito sutil de direção, o que funciona em boa parte do tempo, principalmente, pois o roteiro de Kyle Warren não se aguenta com a grande surpresa do filme em mãos e faz de tudo para o espectador descobri-la antes da hora. Nesse começo, por exemplo, é o trabalho de Sobel que na maioria do tempo desvia a atenção.
As linhas de diálogo de Warren são óbvias e forçam essas estranhezas que vão levando o público a tentar entender o que está realmente acontecendo, mas as composições de cena de Sobel empurram a verdade sempre para um canto escondido. Infelizmente para o público que não viu o original, o “tal segredo” fica claro muito antes do que devia e tudo fica enfadonho e lento.
Já para quem viu o filme original, seja fã ou não, essa versão em inglês não só não apresenta nada de novo, como mostra claramente o quanto a versão austríaca trabalhava bem melhor as questões mais perturbadoras e interessantes do original. Uma correção aqui, há sim algo de novo, mas é uma resolução preguiçosa, covarde e que foge do original com um óbvio medo de ser rejeitada pelos espectadores mais sensíveis.
E talvez essa seja a principal qualidade do filme de 2014, a vontade de incomodar o espectador sem absolutamente nenhuma pena de estabelecer um filme que no começo que era um terror psicológico, mas que aos poucos chega até a conversar com uma espécie de “torture porn” (por mais que eu não goste do termo e que fique pior ainda em si tratando de uma mãe!). Já o americano, pasteuriza tudo isso.
As ataduras da mãe não são suficientemente assustadoras, o cachê de Naomi Watts é alto demais, então sua cara precisa aparecer muito antes e mais do que deveria. A vontade de suavizar o filme é tão grande que nem a ideia de manter os gêmeos com roupas iguais (o que é perturbador) sobrevive. Sem contar um final americano que substituí o desespero e a vontade de desviar o olhar por uma situação quase poética e bobinha.
Nada disso caindo naquele clichê de pular aos olhos somente para quem viu o original, mas sim decisões narrativas e estéticas que deixam o filme “light”. Falta terror em Boa Noite, Mamãe, e se você é um fã do gênero que vai até esse filme, seja pelo remake, seja pelo horror da sinopse, com certeza se sentirá enganado e só não poderá pedir seu dinheiro de volta, pois ainda irá usar o frete grátis na Amazon.
“Goodnight Mommy” (EUA, 2022); escrito por Kyle Warren; dirigido por Matt Sobel; com Naomi Watts, Cameron Crovetti e Nicholas Crovetti.