[dropcap]A[/dropcap]Netflix parece ter encontrado a fórmula certa pra produzir muito entretenimento e encher o seu catálogo com programas que fazem as pessoas gastarem horas diante da televisão. E se você acha que estou falando de complexos algoritmos que constroem uma trama cheia de reviravoltas, você não poderia estar mais enganado. É tudo muito mais simples e barato. A fórmula se resume em colocar um bando de “pessoas lindas, safadas e com medo de compromisso” convivendo entre si.
Essa é a premissa de Brincando com Fogo, o novo reality show lançado pelo serviço de streaming. Uma praia paradisíaca cheia de pessoas bonitas e compulsivas por sexo. Mas a “grande sacada” é que essas pessoas não poderão ter relações sexuais. Caso contrário, todos perderão uma quantia do prêmio de cem mil dólares.
Eu não sei pra você, mas não me parece um grande sacrifício passar 30 dias me abstendo para ganhar uma bolada dessas. Só que todas essas pessoas vivem em outro mundo. Elas estão cercadas numa bolha de festas, bebidas e orgias. Dinheiro não é problema para grande parte delas. Perder alguns milhares de dólares em troca de sexo é uma segunda-feira comum.
Não sei se já ficou claro, mas um reality show com este propósito não reúne as mentes mais brilhantes do mundo. Graças a isso, somos presenteadas por falas como: “Eu sou feminista. Estudo mulheres e gêneros na faculdade. Se você prestar atenção, vai ver que dá pra pegar mulheres […] Meu maior orgulho é meu pênis”. E se você acha isso pouco, o mesmo autor desta frase diz alguns episódios à frente: “Eu tenho pinto de ouro”. Não espere muito além disso.
Brincando com Fogo é um reality sobre forçar pessoas fúteis a construírem relacionamentos para além de uma transa. Pessoas que não se envolvem com nada, seja por traumas do passado ou por serem bonitas demais pra se envolver emocionalmente com alguém. Toda essa superficialidade das relações nos garante a cena de uma adulta chorando, em prantos, ao descobrir que terá que ficar um mês sem transar. Sexo é a maior, e única, preocupação de todas as pessoas envolvidas.
O máximo de profundidade que podemos ver nessas relações são algumas pessoas falando por cima sobre o seu passado e um marmanjo chorando depois de ficar alguns segundos olhando para os olhos de uma mulher que conheceu há menos de duas semanas.
Para deixar tudo ainda mais bizarro, o objetivo de todo esse programa é que as pessoas construam laços entre si, mas não são elas que percebem quando estas conexões estão sendo feitas. Isso é o trabalho de uma falsa assistente virtual chamada Lana. Ela quem dita as regras na casa e diz quem pode ou não ter um pouco mais de proximidade.
É impossível não comparar esse lançamento com o recente Casamento às Cegas. O problema é que, enquanto o primeiro nos fazia rir e se divertir com a superficialidade daquelas pessoas que diziam “eu te amo” para alguém que conheceu há dois dias através de uma parede, Brincando com Fogo só nos faz sentir muita vergonha alheia.
Uma fetichização constante de tudo, inclusive das religiões. E não estou falando das piadas com um dos participantes ser parecidos com Jesus (a ideia europeia de Jesus, claro), mas sobre religiões orientais sendo tratadas como exóticas e cheias de segredos a serem descobertos.
O maior segredo que descobri durante estes workshops foi que Yoni é vagina em sânscrito, e nunca mais olharei pra alguém com este nome do mesmo jeito.
Por mais que esse seja um modelo de programa que pouco tem a oferecer, parece uma cartada certeira da Netflix. Um monte de gente bonita, semi nu, com os hormônios a flor da pele e sem o menor pudor pra se expor mundialmente. Um custo de produção ridiculamente baixo para o buzz que pode gerar.
Ao que tudo indica, a Netflix não deve ser o futuro do cinema como muitos de nós imaginávamos, mas o futuro do E! Entertainment.