[dropcap]N[/dropcap]ão há razão nenhuma para a Marvel se preocupar em fazer algo minimamente maior que o necessário para Capitão América 2: O Soldado Invernal ser um sucesso e continue seu projeto megalomaníaco de dominar os cinemas. E tanto o último Thor, quanto o terceiro Homem de Ferro são provas disso, da mediocridade se tornando suficiente. A única obrigação: manter o nome de seus personagens na mídia enquanto todos esperam por Vingadores 2.
Eis então que entra em cena a dupla de irmãos Joe e Anthony Russo, vindos da TV de um monte de séries de comédia e no cinema do fraquinho Dois é Bom, Três é Demais. E o que era esperança de mais um filme meio bobinho, como o primeiro, resultou, provavelmente, no mais interessante e maduro dentre todos que orbitam Os Vingadores. Sim, Soldado Invernal é melhor até que o primeiro Homem de Ferro.
Primeiro porque, em se tratando de personagem, história, atores e trama, Homem de Ferro tinha tudo a seu favor, enquanto o Capitão América e seu jeitão meio certinho e toda patriotada que o persegue deixa sempre o caminho muito mais complicado. E a solução para isso é justamente a mesma que fez o personagem renascer nos quadrinhos alguns anos atrás: uma história maior que o personagem. E esse segundo filme é exatamente não só é maior que o herói, como também supera qualquer status quo que os fãs estivessem acostumados. Soldado Invernal, parafraseando o personagem de Robert Redford em um dado momento, é o mundo sendo destruído para dar lugar a uma nova realidade.
Nele, depois de impedir a invasão alienígena comandada por Loki, o Capitão agora lidera um grupo de especialistas da SHIELD, um daqueles que é extremamente bom no que faz e toma um navio cheio de piratas/mercenários em um piscar de olhos. E essa primeira e ótima sequencia é o ponta-pé inicial para uma trama de espionagem onde a própria agência dirigida por Nick Fury (Samuel L. Jackson) se vire contra o herói e comece uma caçada em busca dele e de seus aliados (nesse caso, a Viúva Negra e o recém-chegado na telas, Falcão).
É lógico que passando pelos spoilers óbvios, essa traição da SHIELD tem muito mais coisas em jogo, assim como um vilão que quer “dominar o mundo”, uma arma que nas mãos erradas facilitaria esse caminho e, como é de se esperar, a presença de uma espécie de “mercenário fantasma” (do subtítulo para o filme) para entrar no caminho do Capitão América enquanto esse tenta salvar a todos.
Soldado Invernal então não é sobre o vilão, nem sobre o Capitão, tampouco sobre alguma “gema do infinito” que depois vai parar nas mãos do Thanos em algum momento futuro (se é que os nerds me entenderão!). Capitão América 2 é sobre a SHIELD. O que o torna, sem medo de soar presunçoso, um baita de um thriller de aventura e espionagem.
Aventura, pois os irmãos Russo, em um trabalho inspiradíssimo, conseguem não só explorar tremendamente bem o personagem em todas suas nuances de “cara fora de seu tempo”, como também conseguem satisfazer todo e qualquer fã do personagem, já que dessa vez, diferente de suas outras duas aventuras no cinema (no primeiro e em os Vingadores), ele chega ao limite do que o herói pode fazer com seus “poderes” e seu escudo. Então não há economia na hora de mostrar o quanto ele é ágil, resistente, forte, inteligente e sempre arremessando seu escudo no lugar exatamente certo. E se em algum momento isso soar mentiroso para você, é por pura má vontade, já que qualquer exagero é recompensado pela diversão.
E esse cuidado se estende para todos outros envolvidos em qualquer ação, acumulando então um número impecável de cenas de ação, perseguições e lutas empolgantes, muito bem dirigidas e, mais do que tudo, tensas. Não existe desperdício e tampouco ¿gordura¿, tudo está em seu devido lugar e dura o tempo necessário. Fator importante para que o filme funcione tão bem como um thriller de espionagem enxuto e tenso.
Um suspense de diálogos rápidos, humor na medida e sequencias enormes (sem contar um salvamento no último segundo), mas ainda assim uma trama que não tem medo de discutir Guerra Fria e um toque de fascismo diante da “velha história” de punir antes de você cometer o crime. Uma luta entre a liberdade e o medo, com pitadas de um vilão e uma organização (a Hidra, diretamente do primeiro filme) que não escondem estar tentando fazer o certo por linhas tortas, mesmo que isso represente eliminar todos que cruzarem seu caminho. Tire Steve Rogers, seu escudo e seu uniforme com a estrela no peito, e coloque um espião qualquer no lugar e ninguém nem lembraria que a história escrita por Christopher Markus e Stephen McFeely (que também escreveram o primeiro filme e, curiosamente, também o mediano segundo Thor) diga respeito a um super-herói da Marvel ou de distinta concorrência.
A tudo isso ainda se soma à presença de Robert Redford, que sempre dá uma enorme credibilidade por onde passa e aqui cria um personagem que pode não se destacar em nenhum momento, mas faz o suficiente para funcionar em todas suas reviravoltas e nuances. Junte isso a um resto de elenco certinho e o pacote está completo.
Um pacote que mantém aquele pé na fantasia que a Marvel tanto se esforça (acertadamente) para manter em companhia de um tom de realismo que seu filme não deixam de lado (mais acertadamente ainda). Tudo não só pelo claro e óbvio objetivo único de amaciar e preparar o terreno para Vingadores 2 (fique sentado durante os créditos finais!), mas também para divertir não só os fãs dos quadrinhos (que vão adorar), como também qualquer um que entrar no cinema.
“Captain America: The Winter Soldier” (EUA, 2014), escrito por Christopher Markus e Stephen McFeely, dirigido por Anthony e Joe Russo, com Chris Evans, Samuel L. Jackson, Scalett Johansson, Robert Redford, Sebastian Stan, Frank Grillo e Anthony Mackie