É difícil começar. Mais ainda recomeçar. Lá atrás, O Incrível Hulk nem sabia direito que estava começando alguma coisa. Mais de 30 filmes depois, Capitão América: Admirável Mundo Novo volta até esse ponto longínquo da timeline do MCU para dar o pontapé inicial em uma nova fase, por mais que ela já estivesse acontecendo e muita gente não esteja ligando muito não.
O problema maior é que esse novo Capitão América não faz muita coisa para mudar essa visão do público. Pior ainda, mete os pés pelas mãos em uma trama que não chega a lugar nenhum, óbvia e que se perde em meio a todas suas tentativas de ser algo minimamente diferente.
A ideia aqui é clara: restabelecer um novo mundo onde os próximos filmes acontecerão. O inimigo número 1 do Hulk, Thaddeus “Thunderbolt” Ross (agora vivido por Harrison Ford), se torna presidente dos Estados Unidos e entre as recentes ameaças que a humanidade lidou e a descoberta de que o celestial no Oceano Índico fornece um novo material ainda mais adaptável que o Vibranium, o Adamantium, ainda tenta convencer Sam Wilson (Anthony Mackie) a recriar os Vingadores.
O problema, e maior vilão de Admirável Mundo Novo, é a presença de seis nomes assinando o roteiro. A gente sabe que é difícil apontar culpados quando isso acontece, mas com uma estrutura quebrada e que parece desunida, fica claro que esse monte de gente prejudicou demais o resultado final do filme.
É como se um monte de ideias que poderiam ser interessantes acabassem embaralhadas e lutando pela atenção da trama. O acordo dos Estados Unidos com outros países pela distribuição do Adamantium poderia resultar em um trama política interessante, mas quando você menos espera ela se torna um conflito meio sem pé nem cabeça e uma motivação que você não consegue decidir se Ross está certo ou errado.
Wilson permanece o tempo inteiro em uma corda bamba entre a insegurança de carregar o escudo e a responsabilidade de ser um novo símbolo para o país. Mas essa responsabilidade parece não aparecer na tela além de umas continências. É como se o filme não conseguisse mostrar o quanto ele é importante para a população como novo Capitão América, já que ele não interage com ninguém além dos personagens que estão com ele nos diálogos que empurram o filme. Isso, em uma trama tão rocambolesca que eles precisam o tempo inteiro expor suas questões, pensamentos e ideias.
Ligando tudo isso ao O Incrível Hulk ainda surge um segredo do passado de Ross que pode estar puxando as cordinhas para manipular tudo. Mas isso é spoiler. Por mais que não seja nem de perto uma surpresa interessante ou agradável e resulte apenas em um vilão com jeitão de genérico e com uma maquiagem absolutamente mais realista do que deveria ser. Quem conhece o personagem dos quadrinhos sabe o quanto ele seria mais interessante se as decisões estéticas a redor dele no filme chegassem mais perto das páginas coloridas.

Falando em cores, o outro lado dos vilões, surge com a tal Sociedade da Serpente, que nos quadrinhos são um grupo de vilões meio vagabundos vestidos de cobras, mas que aqui são só um pessoal com cara de mercenário. Liderando eles está o Coral (Giancarlo Esposito) que tem uma participação tão apagada que seu personagem sequer existia antes do filme ser finalizado e só surgiu na trama durante as filmagens extras que a produção teve, outro sinal de que as coisas não iam tão bem desde o começo.
O resultado é como se tudo isso estivesse ligado por um fio tão frágil de narrativa que é impossível se interessar pelo futuro de qualquer um que estiver em cena. E a direção de Julios Onah (responsável pelo ruim O Paradoxo Cloverfield) não ajuda em muita coisa. Por mais que consiga bons resultados durante as cenas de ação, no resto do tempo é tão burocrático que dá preguiça. Como se seus personagens estivessem sempre aceitando estarem em um filme sem muita criatividade e seus diálogos nunca tenham emoção o suficiente e nem timming para criar qualquer tipo de tensão ou suspense.
A discussão entre Wilson e o Presidente em certo momento do filme parece tão artificial que é difícil entender como o herói segundos depois estava tão bravo se no momento do embate preferiu ficar tão pacífico e calmo.
Longe de qualquer desses problemas ser culpa do elenco ou da direção, afinal, o material que eles tem para trabalhar é absolutamente escasso e repetitivo. E Mackie talvez seja a principal das vítimas, já que ele parece adorar o personagem e defendê-lo com unhas e dentes, mas aqui ele tem pouco ou nada para ir além de um monte de frases ruins e reações frágeis. Discutir a ausência do Soro de Supersoldado em suas veias poderia ser um caminho cheio de possibilidades, mas o roteiro decide desenvolver essa ideia apenas com o personagem citando isso quase como o “punchline” de alguma piada. Como uma única tecla que é pressionada várias vezes para todo mundo lembrar que esse novo Capitão América deverá apanhar um montão.
Admirável Mundo Novo parece o resultado de uma produção conturbada, com ideias demais em espaço de menos, onde nada é suficientemente bem desenvolvido. É difícil ter interesse por qualquer um dos arcos que surgem no filme e ainda desperdiça completamente a presença do interessantíssimo Isaiah Bradley (Carl Lumbly), “primeiro Capitão América”. Sua importância na história é a mesma de um monte de outros personagens sem nome nos créditos finais e nem serve de motivação para o novo Capitão América, já que ele, muito provavelmente, teria feitos as mesmas coisas se o amigo não estivesse em perigo, afinal ele é um herói.
Então, é como se Admirável Mundo Novo estivesse ali para estabelecer essa “Nova Ordem Mundial” do MCU (que era para ser o nome do filme e não foi usado, acertadamente, para não confundir o filme com ideias de supremacistas brancos que adoram esse slogan). Tem um Hulk para brincar, joga na roda o adamantiun (aquele do Wolverine!), visita a Ilha Celestial e amarra a história lá no começo de tudo. Ah!!! No final ainda lembra a galera de que existem outros universos e coisa e tal. Mas nada disso parece ser importante o suficiente para a história que estava sendo contada.
Capitão América: Admirável Mundo Novo é como aquele gibi mensal em duas ou três partes que você lê, afinal, já comprou a edição e quer continuar lendo a série. Mas umas daquelas edições que serão esquecidas e talvez nem entrem no encadernado da fase completa.
“Captain America: Brave New World” (EUA, 2025); escrito por Rob Edwards, Malcolm Spellman e Dalan Musson, Julius Onah e Peter Glanz; dirigido por Julius Onah; com Anthony Mackie, Harrison Ford, Danny Ramirez, Shira Haas, Carl Lumbly, Tim Blake Nelson, Giancarlo Esposito e Xosha Roquemore