Enquanto Jason Bourne era uma espécie de super-herói, Paul Greengrass sempre pareceu olhar com mais carinho para os verdadeiros heróis de seu Voô United 93, para o documental e cru Domingo Sangrento e até a sua tentativa de entender (racionalizar) uma guerra que não fazia sentido em Zona Verde. Capitão Phillips então pode ter a lembrança no cartaz de que é do mesmo diretor de A Supremacia Bourne, mas na verdade foi feito por uma outra faceta desse cineasta inglês.
Um lado que parece apaixonado por personagens e situações que os levam a rever esse mundo no qual vivem. Que permitem que seu espectador viva essa realidade com essa câmera nervosa, que entra em seus personagens ao mesmo tempo em que não se cansa de encontrar ângulos e posições mesmo no menor dos ambientes. Um esforço para espremer o cinema em uma situação tão claustrofóbica que afunda todos em sua poltrona.
Capitão Phillips faz tudo isso com perfeição, e melhor ainda, com uma atuação de Tom Hanks que garantirá lágrimas, emoção, dor e mais um punhado de sentimentos enquanto ele vive esse capitão de um navio americano que sai de um porto em Omã e tem uma rota até o Quênia, mas que é interrompida por um ataque de piratas na costa da Somália.
A história é real, baseada no livro do próprio capitão do título e a premissa é extremamente simples à primeira vista, mas é seu desenvolvimento que pegará todos de surpresa e juntará uma primeira metade completamente tensa (aqueles dois pontinhos no radar são de gelar os ossos) com uma segunda muito mais inquieta ainda. Uma que parece fadada a uma tragédia, que, se não acaba com a morte do protagonista (obviamente, já que ele escreveu sobre ela depois), não deixa ninguém achar que ele irá terminar essa “aventura” intacto. Senão física, no mínimo psicologicamente.
E é esse lado que Greengrass mais procura, não só no Phillips, mas talvez mais ainda em “seus piratas”, que assim como Hanks criam personagens tão vivos e reais que imprimem uma ameaça arrepiante que faz ser impossível não se identificar com eles. Não com seus crimes, mas com esse misto de necessidade e coragem com que são apresentados, mas que aos poucos se torna uma fraqueza e uma inocência (como se tudo pudesse dar certo) que os tornam verdadeiras vítimas de uma situação muito maior que esse ato criminoso.
Talvez essa opção, mesmo que acertada em longo prazo, pareça desesperada logo de cara ao se esforçar demais para “explicar” de onde vem essa necessidade, o que até carrega esse personagens para mais perto do público, mas talvez soe apenas como uma tentativa desesperada do roteiro escrito por Billy Ray (que vem de trabalhos fracos nos textos do primeiro Jogos Vorazes e no do complicado e chato Intrigas de Estado). Humanizando-os precipitadamente e não percebendo que sem um contexto eles talvez se tornassem um núcleo muito mais forte ao se deixarem ser entendidos aos poucos. Ray perde então a oportunidade de apresentar uma ameaça sem nome e sem rosto e evoluí-la em um quarteto de personagens frágeis e humanos, mesmo com metralhadoras na mão e uma vida movida por um código moral que os torna reféns de um mundo muito maior que eles.
Por sorte, esse melodrama inicial do roteiro de Capitão Phillips não atrapalha em nada o trabalho de Greengrass, que parece fazer questão de sufocar e tirar todo o fôlego de cada umas de suas composições. Uma opção que então abre espaço para esse grupo de vilões fazerem (muito provavelmente) os trabalhos de suas vidas, principalmente o “capitão pirata”, Muse (Barkhadi Abdi, um somaliano de nascença, mas cidadão dos Estados Unidos desde os 14 anos) que em sua estreia no cinema entrega um personagem que não só rivaliza com Tom Hanks, como se fosse a coisa mais simples do mundo, como intercala perfeitamente bem momentos de selvageria, com inocência e uma sensibilidade que deve lhe render uma ou outra lembrança na temporada de premiações de Hollywood. Se alguém falasse que tanto Muse quanto seus companheiros são verdadeiros piratas, talvez ninguém duvidasse.
E falando nisso, nessa realidade, do outro lado, Hanks não só cria um personagem real e comum, como tem em mãos alguns dos momentos mais emocionantes, únicos e assustadores não só dos últimos tempos para cá, mas de todo sua carreira. Principalmente a derradeira cena em que é examinado e tem a oportunidade de despencar sob aquela força que ele precisa tirar, sabe-se lá de onde, para enfrentar tudo que encarou e ainda sobreviver. Reflexo daquilo que ele acredita lá no começo do filme, quando lembra que “só sobrevive o mais forte”, mas que só percebe o custo disso enquanto emociona toda plateia do cinema.
Um lado que é exatamente aquele que mais parece mover o diretor Paul Greengrass, o do herói que ele não precisa acompanhar com sua câmera enquanto pula entre uma janela e outra, mas sim aquele que precisa arrancar força de um lugar dolorido de dentro dele próprio. E é exatamente nesse lugar que Capitão Phillips (assim como Voo United 93) chega: um lugar onde nascem os heróis e onde eles se tornam inspirações reais.
“Captain Phillips” (EUA, 2013) escrito por Billy Ray e Richard Phillips & Stephen Talty (livro), dirigido por Paul Greengrass, com Tom Hanks, Barkhad Abdi, Barkhad Abdirahman, Faysal Ahmed, Mahar M. Ali, Michael Chernus e David Warshofsky