Casadentro é um trabalho tão neo-realista quanto intimista. Baseado em quadros estáticos, o filme se dedica a mostrar como o ser humano ignora a passagem do tempo de sua própria vida, e ao mesmo tempo resolve discutir a relação entre quatro gerações debaixo do mesmo teto pelo período de 24 horas. Se sentindo tão opaco quanto os pensamentos dessas pessoas, o filme consegue acelerar um dia sem mover um centímetro de câmera. Conseguindo se mostrar presente todo o momento, o estilo de direção parece interessado demais em ser notado.
Escrito e dirigido pela peruana Joanna Lombardi, que realiza aqui seu primeiro longa-metragem, Casadentro conta a história de Dona Pilar (Élide Brero), uma senhora de 81 anos que, embora já com os reflexos e sentidos debilitados, leva uma vida confortável em sua casa com a ajuda de suas duas serviçais, a experiente e praticamente amiga Consuelo (Delfina Paredes) e a jovem e atribulada Milagros (Stephanie Orúe), além de seu xodó: Tuna, um pequeno cachorro. Na véspera do seu aniversário recebe a ligação de uma de suas filhas, que pretende visitá-la e passar a noite com sua mãe e mais duas gerações da família: sua filha (neta) e neta (bisneta). A partir daí as preocupações da Senhora Pilar são de que todos estejam devidamente acomodados e que não lhes falte nada.
Filmando com ângulos de diferentes alturas, mas sempre parado durante toda a cena, Lombardi confia no espectador para praticamente tudo. Os detalhes da história precisam ser pescados por nós a todo momento, pois não haverá aviso nem ação o suficiente para que seja notado. Com exceção de alguns plano-detalhes (aquele onde a câmera enquadra apenas um objeto ou até a face de uma pessoa na tela inteira), o importante precisará ser observado nos diálogos ou nas rápidas expressões dos personagens. O resto — a maior parte — é de uma rotina que cansa pela obviedade, mas que por isso mesmo consegue trazer em relevo o que quer ser contado.
Note, por exemplo, como tudo que Dona Pilar disser, fazer, ameaçar fazer ou faria caso uma situação ocorresse, é rapidamente captado e verbalizado por todos do recinto onde ela está ausente. Dessa forma, nos condicionamos a enxergar essa pessoa idosa como enxergamos, ainda que inconscientemente, os idosos em geral: lentos, previsíveis, teimosos. Ironicamente, são essas as características que vamos aos poucos atribuindo aos seus familiares, meio que espalhados entre eles. Porém, essa é uma interpretação tão boa quanto qualquer outra que você for tirar dos pequenos acontecimentos dessas 24 horas que passarmos juntos de quatro gerações de mulheres sob o mesmo teto. Eu, pessoalmente, me perguntava como é possível que essas pessoas, diante de uma vida tão longeva, potencialmente com tantas histórias para contar, se contentavam lendo um livro “muito empolgante”?
Pois bem, é esse tipo de julgamento de valor que Casadentro está buscando em quem o assiste mais atento, e não bocejando ou olhando no celular (como Milagros faz diversas vezes no filme). Se há tanta inércia em torno da aniversariante, ou é porque um diálogo já foi tentado (mais de uma vez), ou é porque há ressentimentos de coisas que ficaram perdidas no tempo e não valeria a pena escavar, agora que aparentemente (olha o preconceito!) restam poucos anos de vida para a matriarca. Em um determinado momento sua filha se pergunta se as mulheres vivem mais, já que seu pai e avô nunca chegaram perto dos 80 anos. Dentro dos parâmetros do filme, me pergunto se esse foi um pensamento aleatório ou uma reclamação velada de por que sua mãe ainda estava lá.
Bom, todos esses são pensamentos acerca do que não acontece no filme, ou pelo menos não acontece de uma forma óbvia. É por isso que, apesar de realista, seu caráter intimista reside no que cada espectador paciente irá encontrar nessa pequena janela que se abre para a “realidade” de pessoas que parecem estar de castigo dentro de uma casa deveras tranquila, mas esquecida em algum lugar do tempo.
“Casadentro” (Per, 2013) escrito e dirigido por Joanna Lombardi, com Élide Brero, Stephanie Orúe e Delfina Paredes.