[dropcap]A[/dropcap] cabine de imprensa estava cheia de “convidados de fora”, gente interessada na temática de Cem Quilos de Estrelas, estreia em longas-metragens de Marie-Sophie Chambon, protagonizada por uma adolescente com o peso e inteligência acima da média. Já com a luzes apagadas duas das convidadas ilustres ficaram mexendo no celular o tempo todo, e três delas chegaram atrasadas enquanto conversavam em um tom de voz digno de uma praça de alimentação.
Vivemos em uma “era do individualismo”, onde cada um olha apenas para seu próprio umbigo, mas o fazem como se clamassem pela atenção dos outros desesperadamente. A melhor forma de fazer isso é com o desrespeito em lugares públicos, atingindo o maior número de pessoas presentes. A segunda é se juntando a outras em grupos, vendo seus direitos instituindos e campanhas que conscientizam as outras pessoas de que estas merecem consideração. Mas será que todos dentro desses movimentos merecem mesmo?
Uma coisa que eu sei é que garotas como a Löis do filme com certeza merece. Inteligente e dedicada, de dia ela se empenha em seu projeto de ciência, um lançador de sonda interplanetária, e de noite ela sonha com as estrelas, em se tornar astronauta e viajar para outros mundos. Se uma adolescente querer ser astronauta quando crescer soa clichê, isso nunca parece um lugar-comum em Cem Quilos de Estrelas, porque sua protagonista é intensa demais para entendermos como mero capricho da idade. Löis sabe exatamente o que quer da vida.
Claro que seus motivos não são saudáveis. Vindo de uma família onde a mãe é obesa e o pai não, a dinâmica feminina em casa sempre tem sido de auto-compaixão alta e auto-estima baixa. Não cabe ao filme explicar os julgamentos da sociedade contemporânea em cima dos que estão acima do peso, pois isso sim é lugar-comum. Todos sabemos os pilares da indústria da beleza e de todo o marketing pessoal dos dias de hoje: seja impecável, por dentro e por fora. As tentativas da militância para questionar os parâmetros de beleza empurrados goela abaixo pela mídia e pelos comerciais não avançaram muito.
Isso se desenvolve como uma falta de pertencimento de Löis, que cresce dentro de si a ideia constante de fugir para o lugar mais inóspito, o espaço, e assim “corrigir” seu “problema” da maneira mais inversa possível: se isolando do mundo que a rejeita como ela é. Por outro lado, essa mesma ideia a fez se tornar uma criança tão focada em seus objetivos que ela acaba se tornando uma figura admirável para o espectador. Podemos questionar sobre o nível de mal estar que preconceitos geram às pessoas, mas o que não se discute é o quão poderoso é termos exemplos de vida para nos espelharmos.
O filme conduzido por Marie-Sophie Chambon descamba para uma aventura condescente que mistura road-movie com amadurecimento de Löis e dessas três jovens desajustadas, todas internadas em uma clínica psiquiátrica, cada um com um problema diferente (diversidade o nome). Amélie é bulímica. Stannah é cadeirante. Justine é eletrossensível. E se digo o nome delas de memória é porque o filme as torna memoráveis, mesmo com relativo pouco tempo para cada uma das três coadjuvantes. Isso ocorre porque o elenco jovem está extremamente entrosado e sua diretora mais ainda com sua câmera, nos presenteando com sequências teen de música pop com batida forte e video-clipes que dinamizam o drama ao mesmo tempo que o diminui. Este não é um filme para chorar, mas para celebrar: sim, elas são capazes.
Marie-Sophie investe em quadros bem fechados, onde os cenários importam menos do que os momentos íntimos que essas garotas passam, descobrindo o suporte que uma aos poucos deposita na outra. A fotografia de Yann Maritaud oscila de maneira elegante e harmoniosa as cores presentes em um universo adolescente como o roxo e o azul (note a introdução do filme), com os momentos mais drenados de esperança, onde apenas é permitido cores mais neutras sob uma luz externa mais acizentada. É curioso como o interior de uma caverna se torna aconchegante através de um aumento no contraste puxando para mais dourado e cor de terra.
Enquanto isso, o roteiro se dá muito bem com esse universo misto, pois se trata de um trabalho desenvolvido com naturalidade e sem exageros, e ainda que previsível em todas suas reviravoltas, nós entendemos que a vida na maioria das vezes é assim. Há algumas facilidades que Marie-Sophie e a roteirista Anaïs Carpita utilizam para permitir que a história continue sem muitos percalços, como o momento onde elas precisam sair de um hotel sem pagar a conta. Porém, é pela urgência que o espectador é fisgado, e como elas têm pouquíssimo tempo para chegar à feira de ciências são perdoadas alguns pouquíssimos “dei ex machinis”. Você mal percebe, compenetrado nas personagens, e não nas situações.
A presença de tela de Laure Duchene, apesar de marcante, está ofuscada por um filme ágil demais para momentos de atuação. Duchene consegue mostrar a que veio na primeira metade do longa, pois é lá que reside mais drama e um ritmo mais contemplatvo. As suas expressões de indignação pela família que tem são um misto de hormônios da adolescência com falta de experiência. Sua única ferramenta de sobrevivência em um mundo que não a deseja é sua inteligência e sua obsessão pelo espaço. Infelizmente não vemos muito disso no filme.
“100 Kilos D’étoiles” (Fra, 2018), escrito por Anaïs Carpita e Marie-Sophie Chambon, dirigido por Marie-Sophie Chambon, com Laure Duchene, Angèle Metzger e Pauline Serieys.