[dropcap]S[/dropcap]e eu acreditasse em amor à primeira vista, diria ter sido arrebatado por esse sentimento logo no início de A vida de Brian. O encanto aparecia a cada tirada, piadas críticas me causavam aquela sensação de ter muito a falar, mas não conseguir. Uma forma de embriaguez.
O protagonista de braços abertos na madeira em formato de cruz, cercado por um monte de condenados e minha indagação: falta tão pouco tempo para acabar, o que eles vão fazer? E surge um chamado, com a clássica canção Always look on the bright side of life.
A princípio, muita gente deve imaginar uma mensagem motivacional pasteurizada, como as tantas vistas por aí. Que nada, é o encerramento genial de uma obra-prima. Como tudo do Monty Python.
Tudo bem, sou suspeito para falar. Fã de esquetes e do grupo, comemorei como um gol quando todo seu conteúdo foi parar na Netflix. Tinha visto muitas coisas, mas queria consumir tudo.
Maratonei em menos de um mês tudo que há por lá. Não é raro eu lembrar cenas clássicas em meio ao noticiário político, ou mesmo no dia a dia caótico da vida urbana.
Li, recentemente, Monty Python: uma autobiografia escrita por Monty Python. Coisa de fã, mesmo.
E não foram poucas as vezes em que pessoas próximas não acharam lá essas coisas. Claro, fiquei indignado. Mas é porque, de fato, parece que o humor dos Python não é para todo mundo. E quando o alcançamos, é aquela sensação de embriaguez, ou de paixão avassaladora.
A Vida de Brian, por exemplo, não vai ser muito bem aceita por aquele seu amigo fanático religioso, sabe? Do tipo que não pensa sem a aprovação de um padre ou pastor, odeia ateus e agnósticos, tem problemas de interpretação de leitura e usa a Bíblia como justificativa para tudo, mesmo sem conhecimento básico. Até porque, um filme cujo protagonista tem uma trajetória que se confunde e se cruza com a de Jesus Cristo só pode causar controvérsias. Necessárias, diga-se.
Eles não vão entender as porradas fortes nas instituições como a Igreja, os partidos políticos, o incentivo à ignorância das massas. Não é bem um filme blasfemo, mas herege. Porque, acredite: quem segue fielmente qualquer instituição, sem um mínimo de contestação e pensamento crítico, está fadado a cometer injustiças.
Quando me perguntam por quais motivos se deve assistir ao maior filme dos Python – que me perdoem os fãs do também ótimo Em Busca do Cálice Sagrado, já pus capacete para escapar das pedradas –, nunca sei bem do que falar: a bravíssima mãe do Brian, Pôncio Pilatos de língua presa ao lado de Biggus Dickus, a nave alienígena auxiliando Brian em sua fuga… É tanta coisa.
Uma mistura de surrealismo, non sense e críticas usando o humor como arma. E a música final é das coisas mais espetaculares que já se produziu. Sério.
No último dia 17 o filme completou 39 anos de lançamento mundial – ele só estreou no Brasil em maio do ano seguinte -, e podem ter certeza: A vida de Brian vai continuar atual por mais 40, 50, 100 anos. No mínimo.
Assim como todos os seus esquetes – aprendi que essa palavra é masculina depois de ler a autobiografia da trupe. Se canais do YouTube, como o Gente Estranha, salvavam a vida dos fãs ensandecidos com um arquivo fantástico, agora a Netflix deixou tudo aí, organizadinho, do começo ao fim, 45 episódios e os filmes.
Quer um conselho? Assista A Vida de Brian. Depois Em Busca do Cálice Sagrado. Quando tiver tempo, emenda em O Sentido da Vida. Aí, faz aquela maratona no Monty Python’s Flying Circus. Não necessariamente nessa ordem, pode ser aos poucos, fragmentado, bagunçado. No estilo Python, mesmo.
Então, tenho certeza que você vai assinar embaixo desta crônica. E quando as coisas não andarem bem, vai entoar a melodia, com um assobio ao final, balançando a cabeça para os lados: Always look on the bright side of life (Come on / Always look on the light side of life)…