Se você sempre teve curiosidade de saber melhor como funciona o faturamento dos filmes americanos – ou se sempre quis entender o que torna um filme bem-sucedido comercialmente -, este especial irá te ajudar. Ao final desta matéria você será capaz não só de responder estas perguntas, mas também de apontar os – inúmeros – erros que jornais e sites especializados em cinema, no Brasil e no mundo, cometem frequentemente.
Mas antes mesmo de começarmos é preciso esclarecer um erro comum que, muitas vezes, ajuda a tornar o assunto ainda mais confuso do que já é. Falar sobre faturamento significa, sem exceção, estar falando sobre o sucesso financeiro de um projeto (e filmes nada mais são do que isso).
O sucesso de público é medido em ingressos, não em dólares, e para deixar isso mais evidente, é só notar que o sucesso de público de peças de teatro, shows, espetáculos e concertos são quase unanimemente medidos em números de ingressos vendidos. Você pode conferir que até espetáculos caríssimos, como o Cirque du Soleil, em lugar algum destacam quanto faturaram no ano, ou em uma temporada, mas sim o número de ingressos vendidos e em quantos países eles já se apresentaram. Eles poderiam facilmente se gabar de centenas de milhões de dólares de faturamento, mas não o fazem pois isso não importa para o público – e até com filmes, usa-se o número de ingressos vendidos como medida de sucesso em muitos países, como no Brasil, por exemplo.
O uso do faturamento como medição de sucesso de público nos EUA tem um motivo histórico, e acabou nunca sendo corrigido. Antigamente, a indústria americana tinha dificuldade de fazer uma contagem precisa do número de ingressos, recorrendo ao faturamento – que obviamente sempre foi controlado com precisão – para dizer qual filme tinha a preferência do público. Não haveria problema se isto tivesse sido corrigido conforme os cinemas fossem se modernizando, mas não foi. E isso cria dois grandes problemas.
Primeiro: o faturamento só serve como uma ideia bem macro se o filme fez sucesso com o público. Comparar filmes com faturamentos próximos nas bilheterias é impossível por diversos motivos. Dentre eles:
a) A inflação entre filmes de épocas diferentes;
b) O custo adicional do 3D;
c) A consideração de que matinês custam mais barato;
d) Consideração dos ingressos de final de semana versus ingressos durante a semana;
e) Convites (gratuitos);
f) Promoções (gratuitas);
g) As cabines de imprensa;
h) A variação de preço entre cinemas da cidade e do interior, entre outros.
Fica bem claro que há um sem número de fatores que pode fazer com que um filme com menor faturamento, tenha vendido mais ingressos. Por isso essa informação apenas e somente serve para se ter uma ideia geral do interesse do público.
Segundo: os jornalistas responsáveis pelas matérias sobre cinema – que escrevem matérias sobre faturamento -, não estão, em sua maioria, qualificados para isso e, portanto, cometem equívocos amadores difundindo informações falsas, como a constante “quebra de recordes” gerada pela inflação.
Isso é feito, muitas vezes, de forma proposital tanto por Hollywood – para criar hype, ou melhor, a sensação de que algo é imperdível – quanto pelos próprios jornais, sites e revistas que conseguem mais cliques ao publicarem matérias com letras garrafais dizendo que o mais novo filme quebrou todos os recordes. Tendo isso em vista, é possível imaginar que muitos realmente não corrijam essas ideias equivocadas de propósito.
Mesmo o uso do número de ingressos tem certas limitações na avaliação do sucesso de público de um filme, pois certas comparações são injustas. A maioria dos blockbusters são lançados com mais de 4.000 salas em territórios americanos (o que eles chama de lançamento super saturado), enquanto muitos filmes indie – ou low budget – chegam a estrear com menos de 100. A diferença é tão abismal que, para esses casos, se usa o número de ingressos vendidos por exibição. Com essas duas abordagens – número total de ingressos vendidos e números de ingressos vendidos por sala – é sempre possível ter uma boa ideia do quão bem recebido um filme foi.
Como podemos ver, avaliar um filme quanto às entradas que ele vendeu é relativamente simples, no entanto, daqui para frente focaremos apenas na parte comercial.
Conceitos Básicos
Para que possamos entender, ou melhor, estimar se um filme foi um sucesso ou não, é fundamental entender dois conceitos básicos: faturamento e lucro. No entanto, para poder melhor compreender o quadro geral, ainda abordaremos rapidamente a ideia do que é Análise de Risco, a Inflação e seus efeitos nos recordes. Vale mencionar que, já que muitos sites brasileiros fazem uma confusão tremenda com mais um outro termo, Rentabilidade, também iremos abordá-lo aqui.
Como já ficou evidente, daqui para frente trataremos filmes como nada mais do que uma opção de investimento, pois, a bem da verdade, isso é exatamente o que eles são. Os chefes dos grandes estúdios tem um orçamento “X” para o ano e com base neste orçamento e nos roteiros que eles têm à disposição, eles decidem para qual projeto darão luz verde. Em outras palavras, é como se você tivesse uma quantia de dinheiro que quisesse investir e com base no portfólio de investimentos do seu banco, você escolhesse certos investimentos em detrimento de outros.
Análise de Risco
Para que um filme receba um “OK” de um estúdio, ele certamente passará previamente por uma análise de risco, que é um estudo com o objetivo de medir as chances de que o projeto não tenha o retorno esperado. Não é nenhuma coincidência, portanto, que a maioria dos filmes de terror tenham baixos – ou baixíssimos – orçamentos, já que são considerados produtos de um nicho específico – ainda que fiel -, enquanto é comum vermos inúmeros remakes, reboots, continuações e afins com custos que extrapolam os 200 milhões de dólares, já que são marcas mundialmente reconhecidas e oferecem baixos riscos.
Vide o relativo fracasso de bilheteria do novo Homem-Aranha em 2012. Mesmo tendo faturamento muito abaixo dos filmes anteriores – e não tendo sido tão bem recebido pela crítica quanto os primeiros dois capítulos da trilogia original -, o filme ainda conseguiu faturar US$ 752 milhões mundialmente.
Fontes alternativas de renda e Tie-ins: O nome do jogo para os Blockbusters
Embora esse valor não seja nada excepcional se considerarmos o custo do filme (US$ 330 milhões), o uso de uma marca renomada vai muito além do faturamento nas bilheterias de cinema. O risco para tais filmes se mostra baixo, pois mesmo que o faturamento nos cinemas não cubra seus custos, ainda há inúmeras outras fontes de renda.
Algumas dessas fontes valem para todo e qualquer filme, outras nem tanto. É sabido hoje, na indústria cinematográfica, que os filmes têm como objetivo – enquanto estão em cartaz – apenas conseguir atingir o break-even – ou melhor, sair do vermelho. O lucro em si é esperado das outras fontes.
A principal delas é a venda de DVDs. Prática iniciada na metade dos anos 90, as vendas no mercado de homevideo se tornaram rapidamente extremamente lucrativas. Jogos Vorazes (2012), por exemplo, só nos EUA teve faturamento de US$ 121 milhões, e aproximadamente metade deste valor foi para a Lionsgate, estúdio responsável pelo filme. Como estamos falando apenas de direitos, não há custos envolvidos aqui e, portanto, isso representa US$ 60,5 milhões de lucro apenas nos EUA. É claro que sucessos de bilheteria têm maiores vendas no homevideo, e essa fonte de renda sempre entra em consideração quando o orçamento de um filme é aprovado, independentemente do tamanho do projeto.
Enquanto o homevideo vale para todos os filmes, o mesmo não se pode dizer para os famosos Tie-ins – ou produtos relacionados à marca – e é disso que os blockbusters, especialmente aqueles baseados em marcas famosas, tiram grande proveito. Um filme como O Espetacular Homem-Aranha, acima citado, pode se dar ao luxo de custar uma fortuna e até ficar alguns milhões de dólares no vermelho enquanto em cartaz, pois ele tem diversas fontes extras de renda. No caso do cabeça de teia há bonecos, brinquedos, venda de licença para jogos de PC, videogame e celular, venda de licença para o McLanche Feliz, produtos para a escola, roupas com a marca, etc. Além disso, ainda há um boost na audiência de programas de TV, como desenhos animados com o personagem, aumento nas vendas dos DVDs antigos e nas vendas de gibis.
Outras fontes que tem valor reduzido – ou inexistente – para filmes pequenos, aqui podem atingir valores milionários, como a venda dos direitos para canais de TV aberta e TV a cabo. É evidente que o valor combinado de todos estes itens, somado ao homevideo, pode ultrapassar – e muito – a casa dos US$ 100 milhões de dólares de lucro.
Faturamento
Faturamento – de forma bem simplificada – é o valor que recebemos pela venda de algum produto. Por mais simples que isso possa parecer, há muita confusão quando falamos sobre faturamento de um filme. Um dos problemas é que a expressão em si, “faturamento de um filme”, não deixa claro de quem exatamente estamos falando.
Exemplo: quando uma loja de eletrônicos vende 10 TVs da Sony por R$ 1.000 cada, quem faturou R$ 10.000? É evidente aqui que estamos falando da loja, não da Sony Corporation, sediada em Tokyo no Japão. Por alguma razão, essa lógica simples não é aplicada a filmes. Quando um filme fatura US$ 500 milhões nas bilheterias, quem faturou esse valor, na verdade, foram os cinemas, não o filme. Em outras palavras, o estúdio não faturou esses US$ 500 milhões.
Mas então quanto o estúdio fatura? Cada filme pode ter uma negociação diferente com os exibidores. Então, a não ser que tenhamos informações internas, podemos apenas estimar esse valor.
É uma unanimidade, no entanto, entre os especialistas da área, que o valor gira em torno de 50% nos EUA. Isto é, se os cinemas americanos faturaram US$ 534 milhões com o filme Batman – O Cavaleiro das Trevas em 2008, isto significa que a Warner Bros. – estúdio que pagou para que o filme fosse feito – ficou com US$ 267 milhões daquele montante. Perceba que são valores bem diferentes, especialmente quando comparamos ao custo do filme, US$ 185 milhões.
Ainda vale destacar outro importante detalhe: os estúdios não divulgam os custos totais dos filmes. O custo total de um filme é seu orçamento mais os gastos com marketing. Esse valor pode chegar a até 50% do valor do orçamento de filmes dispendiosos e, na maioria dos blockbusters, gira em torno de US$ 100 milhões. Para filmes com custos de produção mais modestos, os gastos com marketing podem atingir várias vezes o valor do orçamento da produção. Na média, os gastos com marketing em produções americanas em 2007 foi de 33,7% do custo total.
O motivo pelo qual os custos de marketing não são incluídos não são claros, mas alguns especialistas apontam o fato de esse valor ser cross-division, isto é, esse montante é utilizado por várias divisões do estúdio em toda a campanha de lançamento do filme, podendo incluir outros produtos relacionados com a marca, o que tornaria incorreto identificar tudo como gastos para o filme e ainda causaria confusão na hora de classificar a qual centro de custo corresponde cada dólar gasto. Ainda assim, é inegável que a maior parte do valor reservado para marketing na campanha de um filme, será utilizada diretamente com marketing para o filme (e que alguém tem que pagar essa conta).
Como se o faturamento nos EUA já não tivesse suas nuances, a bilheteria internacional (ou seja, mundial menos os EUA) é ainda mais complicada. Enquanto alguns especialistas usam o mesmo fator de 50% dos EUA para “facilitar a conta”, outros mais pessimistas estimam que os custos locais – somados às altas taxas cobrados pelos Governos de cada país para remessa de dinheiro – podem fazer com que o lucro do estúdio fique na ordem dos 15% dos valores faturados no exterior. Ainda há outros que apostam que esse fator gire em torno de 30 a 40%, que é também o que consideramos soar mais sensato.
Pergunta para reflexão: pense nos filmes Atividade Paranormal (2007) e John Carter – Entre Dois Mundos (2012). O primeiro faturou US$ 193 milhões mundialmente, enquanto o segundo US$ 283 milhões. Qual deles você estima ter sido mais bem-sucedido? Por que? E por qual margem de diferença?
Lucro
O faturamento em si, no entanto, não diz nada. É preciso saber quanto o filme custou para ser produzido para que, então, possamos chegar a um valor que realmente tenha significado: o quanto o filme lucrou. O lucro gerado por um filme é o que ele faturou (não o que os cinemas faturaram) menos seus custos (orçamento mais gastos com marketing).
Voltemos aos exemplos anteriores. Pode até não parecer lógico à primeira vista, mas Atividade Paranormal, mesmo com uma bilheteria inferior, foi um filme extremamente lucrativo e um dos mais rentáveis da história do cinema, enquanto John Carter – Entre Dois Mundos briga pelo topo da lista dos maiores fracassos de bilheteria.
Como isso é possível? Como dito anteriormente, faturamento trata da parte financeira de um empreendimento e portanto é relativo às expectativas e custos envolvidos. Desta forma, comparar um filme com outro pode gerar o famoso efeito “comparar bananas com maçãs”. Atividade Paranormal custouUS$ 15.000 para ser produzido (os custos de marketing obviamente não estão inclusos mas podemos assumir que o valor seja baixo, na faixa dos 5 a 10 milhões de dólares), enquanto John Carter teve um custo total de US$ 350 milhões. Com base nesses números, podemos estimar que enquanto Atividade Paranormal lucrou algo em torno de US$ 77 milhões, John Carter deu um prejuízo da ordem de US$ 244 milhões para a Disney.
Rentabilidade
Como já vimos alguns sites brasileiros usarem este termo, resolvemos incluí-lo aqui também. A rentabilidade é o lucro dividido pelo valor investido. No caso de um filme, é o lucro – que aprendemos a calcular no item anterior – dividido pelo custo total (orçamento mais marketing). A rentabilidade é o valor percentual que vemos no portfólio de investimento de bancos e é exatamente por isso que um investidor irá comparar a possibilidade de apostar em um filme com outros investimentos mais tradicionais antes de se decidir.
Quando uma matéria jornalística fala de filmes mais rentáveis, ela deve estar abordando o assunto desta forma. Caso ela chegue a essa conclusão com base apenas no faturamento, é mais do que certo que quem escreveu o texto ou não entenda de cinema, ou de finanças, ou ambos.
Inflação e Recordes
Por fim, precisamos destacar outro ponto muito importante quando se fala de recordes: a influência da inflação. Quando uma matéria trata de recordes de faturamento – exceção feita a comparações entre filmes lançados no mesmo ano – ela deve sempre comparar moedas que possuem o mesmo valor. Isto é, não dá para comparar um filme que faturou US$ 100 milhões com outro que faturou R$ 101 milhões e dizer que o segundo faturou mais.
O problema é que isso vale não apenas para a origem da moeda, mas também para o período sobre o qual estamos falando. Veja, ter um salário de R$ 2.000 em 2013 não é o mesmo que ter um salário de R$ 2.000 em 2003. O motivo é a desvalorização da moeda, isto é, o poder de compra – o valor verdadeiro do dinheiro – que diminui com o tempo. O Real, por exemplo, teve entre 1994 e 2011, 286% de inflação acumulada, ou seja, algo que valia R$ 10 em 94, sairia por R$ 38,6 em 2011. Embora a inflação tenha sido menor historicamente na terra do Tio Sam, ela ainda assim existe por lá e não foi nada pequena nas últimas duas décadas.
É por isso que falar em recordes sem usar os valores reajustados não só não significa absolutamente nada, como ainda mostra que você não sabe do que está falando. Não é à toa que os sites especializados em bilheteria são uma festa de asteriscos, “mas”, “poréns” e “entretantos”, pois eles têm que publicar os“novos” recordes, mas ainda assim não se sentem confortáveis em mentir descaradamente para seus leitores…coisas que muitos sites não veem problema algum em fazer.
(texto publicado anteriormente no site Cine Splendor)