Quanto mais alto você chega, maior é sua queda. A expressão parece cruel, mas quase sempre é reiterada por histórias como a de um dos maiores nomes do cinema: Georges Méliès.
Em seu ápice (aqui na primeira parte desse especial), o cineasta francês mudou o cinema e fez dele aquilo que você enxerga hoje, tanto em termos de conceitos, quanto de técnica e, mais importante de tudo, como ponte para os sonhos. Charles Chaplin se referia a Méliès como o “Alquimista da Luz”, mas quando ela se apagou o mundo ficou bem mais triste e sem vida.
Méliès morreu em 1938, mas sua verdadeira morte acorreu algumas décadas antes disso. Em meio a uma profusão de produções e cada vez mais segurança na hora de criar seus filme, o cineasta, aos poucos, foi caindo na própria armadilha. Em 1907, muita gente da imprensa já apontava seus trabalhos como “repetições e fórmulas velhas por um lado, imitações ruins do que se estava em voga, do outro”.
O mesmo mundo que Méliès tinha ajudado a criar, aos poucos começou a sobrepuja-lo, mas talvez nada disso o tenha preparado para o seu golpe derradeiro infligido por um cara mundialmente conhecido pela alcunha de Thomas Edison.
Já estabelecido nos Estados Unidos como um “homem do cinema” (algo próximo do que hoje seria um “suit” para os americanos, ou “engravatado” para nós), Edison em toda sua “carreira” dirigiu dois curtas e um longa, nenhum deles digno de qualquer nota. mas por trás da Edison Studios produziu uma série de clássicos da época, como, por exemplo, o faroeste O Grande Roubo de Trem (de 1903). Mas Edison queria mais.
Em 1908 fundou a Motion Picture Patents Company (MPPC, ou “Edison Trust“, como ficou realmente conhecida). A ideia era gerar protecionismo, mas na verdade tinha por trás a intenção óbvia de entregar mais ainda a Edison todo poder sobre o cinema americano e, quem sabe, mundial. A MPPC regulamentava a distribuição de filmes estrangeiros nos Estados Unidos, e como Edison tinha o monopólio das câmeras no país, era fácil fazer as contas.
E isso não incomodaria Méliès se ele ainda fosse um pequeno cineasta francês, mas ele era grande, maior que Edison e que qualquer MPPC. Mas isso não era suficiente para que isso acontecesse nos Estados Unidos sem que ele entrasse sob o guarda-chuva de Edison. Enfim, Star Film Company, de Méliès, entrou para a MPPC como única opção para continuar tendo a mesma visibilidade que poderia e almejava.
O acordo com Edison, que, não surpreendentemente, era presidente do coletivo, era que fosse mandado para ele 300 metros de filme por semana. Para suprir essa demanda, só no primeiro ano de “parceria”, Méliès fez 58 filmes, o que fez ser impossível que à crítica sobre “repetição e fórmulas” não se tornasse óbvia. E isso vinha diretamente nele, pois era seu nome que estava nos holofotes. Ninguém esperava nada genial de um cineasta qualquer de algum lugar anônimo de Nova York, mas sim do grande George Méliès.
Em uma última tentativa desesperada de continuar no cenário, George e seu irmão Gaston resolveram abrir uma filial nos Estados Unidos para dar conta das exigências da MPPC. Gaston foi o encarregado de comandar tudo nos por lá e ai talvez Meliés nesse momento tenha tomado seu segundo golpe mais poderoso.
Gaston não conseguiu produzir sequer um filme no primeiro ano de América, enquanto isso, na França, Meliés produziu o que talvez tenha sido sua obra mais ambiciosa: “Humanity Trough The Ages”. O filme tinha 320 metros (algo em torno de 20 minutos de duração) e começava com Cain e Abel e ia até a Convenção de Paz de Hague em 1907, passando por Jesus Cristo, Império Romano, Idade Média e Luis XIII.
Para a MPPC, somente uma semana de trabalho.
Méliès então se descobriu insatisfeito com o monopólio de Edison, com os rumos da MPPC e com seu irmão Gaston. O resultado disso foi o fim de sua carreira como cineasta em 1909.
Curiosamente, do outro lado do Oceano, Gaston acabou se tornando um dos maiores colaboradores da MPPC. Moveu a sede da empresa de Chicago para o Texas e mergulhou de cabeça no faroeste. Entre os anos de 1910 e 1912, produziu 130 filmes enquanto comandava a Star Film Company, agora no sul da Califórnia.
Gaston não voltaria nunca mais a falar com o irmão. Em 1912, pegou sua câmera e fez uma viagem que começava no Taiti e passaria pelo Pacífico Sul e Ásia. As imagens dessa sua aventura foram todas enviadas para seu filho em Nova York, mas todas estragaram durante o envio, o que colocou Gaston cara a cara com uma dívida enorme de 50 mil dólares, o que o obrigou a vender tudo que tinha e voltar para a Europa, onde faleceu em 1915.
Gaston foi estraçalhado pelo próprio mundo que ajudou a criar, enquanto Georges não sabia viver em um mundo onde não bastava ser um artista, era preciso ser um empresário. Naquele momento, Meliés tinha conseguido um acordo com a francesa Pathé onde ela administraria todos seus filmes antigos, em contrapartida, ele abriria mão de seus estúdios para ela.
A história continuou batendo em Georges Méliès, em 1917, o estúdio onde ele filmou seu maior clássico Viagem a Lua foi tomado pelo exército da França e transformado em um hospital durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1923, conseguiu de volta a Star Film, assim como seu Estúdio Montreuil. Em um momento de raiva e frustração botou fogo em todo seu trabalho, o que fez com que muitos originais de seus trabalhos se perdessem nas chamas, assim como um pedaço da história do cinema.
Meliés ainda viveria quase no anonimato vendendo brinquedos na estação de trem Montparnasse, em Paris. Sobreviveu com a ajuda de alguns cineastas, mas permaneceu longe do mundo de sonhos que ele próprio tinha ajudado a criar.
Seu esquecimento perdurou até o final da década, onde alguns estudiosos de cinema voltaram a se interessar pelo seu trabalho e começaram a enxergar mais e mais sua influência no cinema da época. Em 1929 ganhou uma retrospectiva de gala em Paris e em 1931 recebeu a Legião de Honra enquanto era aclamado pelo movimento surrealista.
Por fim, George Méliès passou seus últimos anos, celebrado como o gênio que era, viu o mundo esmaga-lo e arrancar dele tudo aquilo que o fazia viver, mas, pelo menos, morreu em 1938 reconhecido com um dos pais do cinema. Algumas pessoas dizem que em seus últimos dias declarou já no leito de morte: “Sorriam, meus amigos. Sorriam comigo, sorriam para mim, porque eu sonho o sonho de vocês”.
Verdade ou não a frase resume o que George Méliès representou para o mundo, talvez seu maior criador de sonhos.