City Hall | Bem-vindos à Boston


City Hall, novo filme do documentarista Frederick Wiseman é uma experiência poderosa e única. Não por alguma surpresa ou subterfúgio narrativo, mas simplesmente por ser uma observação que busca uma inquietante isenção enquanto passeia pelos veios de Boston.

Durante quatro horas e meia, Wiseman posiciona sua câmera, ora por toda estrutura burocrática e política da cidade, ora fixa em alguns pontos da cidade. Acabar de ver City Hall deixa a impressão de um passeio na principal cidade do estado de Massachussetts. Talvez mais ainda, um mergulho em corredores que nem a maioria dos bostonians percorrem.

Não existe um arco narrativo em City Hall, muito menos uma problemática ou ponto de partida, talvez exista até uma espécie de âncora presa no prefeito Marty Walsh, mas expande essa caminhada através dos inúmeros Conselhos que formam o poder público, assim como algumas repartições públicas e suas diversas funções.

Parece chato, mas realmente não é, nem com as longas horas. Wiseman é extremamente direto e pontual em cada um dos seus planos, desde as falas de seus personagens, todas indiretas, até as imagens fixas de Boston. Não existe passagem de local sem um posicionamento geográfico cheio de personalidade. Aos poucos a prefeitura fica para trás e os prédios e ruas movimentadas dão lugar a um visual, digamos assim, “menos rico”. Assim como os problemas.

Por mais que o documentário tome claramente um lado de celebrar o governo de Boston e suas ligações com o povo da cidade, os problemas de moradia, racismo e imigração não se escondem nessas reuniões de conselhos. Mesmo com todas maravilhas da cidade e de seu governo progressista, as falhas parecem continuar sendo as mesmas de qualquer metrópole do mundo. Seus moradores em situação mais frágil parecem ter as mesmas cores do que das outras grandes cidades dos Estados Unidos. As vozes que não são ouvidas são sempre as mesmas.

Do mesmo jeito que Wiseman não tem medo ou receio de esconder de seu documentário uma espécie de demagogia universal que parece vir sempre ligada à gravatas e posições governamentais. Não mentiras ou corrupções, isso em City Hall parece não existir (até porque, caso surgisse algo o filme não teria a anuência do governo local e nem todo caminho livre para as filmagens), mas sim aquela mesma conversa que serve sempre para ser aquilo que o povo quer ouvir.

Esse “discurso pronto” que vez ou outra surge é entrelaçado com a mais pura humanidade. City Hall é sobre Boston, mas também é sobre seus moradores e funcionários públicos em seus mais diversos trabalhos. Do lixeiro ao botânico semeando plantas, da veterinária aos funcionários do departamento de transito lidando com os recursos de algumas multas. Mas em todos momentos o que surgem são pessoas sendo pessoas. Do jeito mais natural possível.

Conseguir arrancar essa naturalidade de modo tão tecnicamente poderoso e eficiente, é algo que nem todos documentários conseguem fazer. City Hall não tem câmeras tremidas, sons falhos ou ângulos espremidos, tudo está lá, claro e verdadeiro.

Todo esse poder ainda vem dessa paciência de escutar seus personagens, suas ideias são completadas em frente à câmera, não existe interrupção e nem alguma montagem que pareça distorcer aquelas ideias. Um esforço de construir um panorama da cidade não só em seus prédios, mas também daqueles que vivem neles e na cidade. Tudo com a mesma importância. E isso é absolutamente fantástico.

O velho senhor com problemas com ratos tem o mesmo tempo de cena que o prefeito, a diferença é que o senhor se abre em frente à câmera, fala de seus traumas como veterano, os problemas com o irmão, os vícios e a esperança de que aquele funcionário da prefeitura irá realmente te ajudar a resolver esses problemas. Já o prefeito, é apenas mais um discurso. Humanidades diferentes, mais ainda assim humanidades. É disso que se trata City Hall, de todos esses lados, poderosos e únicos.


“City Hall” (EUA, 2020), dirigido por Frederick Wiseman


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