Talvez “chato” não seja a palavra mais correta, mas falta alguma coisa para Clube dos Vândalos acelerar além do tédio. E mesmo com a referência à motos sendo fraquinha, talvez seja isso que falte mesmo no filme: acelerar.
Mas quem sabe se essa não é a intenção do diretor e roteirista Mike Nichols? O material original vem das experiências do fotógrafo Danny Lyon que no final dos anos 60 resolveu “andar” com os Outlaws para “registrar e glorificar a vida dos motoqueiros americanos”. Uns anos antes de Lyon “mergulhar” nessa ideia, Hunter S. Thompson fez algo parecido e o resultado foi seu livro sobre os Hells Angels, mas o clima é tão diferente que parece que os dois autores estão falando de coisas completamente diferentes.
As imagens de Lyon humanizam os Outlaws de um modo tão forte que impregna as decisões de Nichols, que por si só já é um cineasta de filmes que observam o ser humano com uma lente de esperança e sensibilidade. Mas talvez seja algo que não funcione tão bem aqui, o que não chega a ser um problema tão grande para o filme que, mesmo chato, acaba se virando bem, mesmo com esse “problema”.
Os Outlaws originais se tornam os Vandals, mas sobre qualquer coisa, contam com um elenco que faz com que cada centímetro de filme seja imperdível para quem gosta de atores que não parecem estar atuando. E com eles, um diretor que aproveita absolutamente bem todos esses momentos.
O ponto de partida do filme é esse jornalista/fotógrafo entrevistando, principalmente a personagem de Jodie Comer, Kathy, uma jovem que tinha tudo para viver uma vida qualquer, mas que acaba caindo no charme do motoqueiro Beeny (Austin Butler). Kathy, assim como Lyon, aos poucos vai se apaixonando pela glória desses motoqueiros, ainda que tenha uma certa discordância com o líder deles, Johnny (Tom Hardy). Entretanto, por mais que isso pareça ser o ponta pé inicial de uma trama, é só um começo mesmo. Uma porta de entrada.
Clube dos Vândalos é quase como um estudo de personagem onde o foco é esse moto clube que nasce de uma epifania romântica de Johnny enquanto assistia O Selvagem e via em Marlon Brando esse personagem que equilibra a dor e violência em um mundo onde apenas o barulho de suas motos já quebrava o status quo do americano médio.
Mas nem Johnny, nem Benny, parecem estar ali para quebrar qualquer sociedade americana, mas sim estão lá para ocupar um espaço vazio em suas vidas. O arco de Johnny é triste e delicado, mas sua cena final conversando com a esposa é de cortar o coração para mostrar o quanto o filme de Nichols não é sobre motos, por mais que qualquer um queira.
Essa decisão de olhar para esses personagens com tamanha delicadeza e profundidade, por um lado, permite que o elenco brilhe, por outro, torna o filme meio descolado e sem um fio que o carregue. Não só com o material das entrevistas, mas também com a construção dessas lembranças que, mesmo lineares, soam picotadas e sem uma conexão mais complexa do que a presença desses personagens.
É realmente como se o espectador estivesse virando as páginas de um livro de fotografias e pudesse viver por alguns minutos o antes e o depois daquele momento congelado pelo fotógrafo. Mas isso é pouco para manter o espectador interessado até o final. Como se, do lado de cá da tela, todos ficassem procurando essa cola entre esses momentos, mas acabe descobrindo que tudo está apenas solto mesmo.
Mas, felizmente, todos esses momentos jogado na história são pequenas pérolas. Tanto no capricho da recriação de época, quanto no poder de seu elenco. É como se não existisse sequer um trabalho mediano, tudo é impecável. Da complexidade de Comer, até a potência de Hardy.
Comer nunca cai no óbvio, não é uma garotinha em perigo e tem sempre uma visão fria e apaixonada sobre toda situação. Ao mesmo tempo, quando é necessário se perder em fragilidade e violência, o faz sem perder a delicadeza e a profundidade de uma personagem que nunca se permite ser frágil ou perdida dentro desse mundo masculinizado e selvagem.
Mas enquanto grande parte do filme está com ela, o elenco de apoio cheio de caras conhecidas aproveita cada segundo para mostrar a razão de estarem sempre sendo respeitados por seus outros trabalhos. Michael Shannon constrói esse homem amargurado e sozinho, mesmo no meio de uma multidão. Boyd Holbrock é uma figura que parece iluminada demais no meio de tanta escuridão. Tobey Wallace aparece pouco, mas tem uma raiva e uma vontade de fugir de seu mundo que o coloca nesse lugar perigoso e triste. Norman Reedus some por baixo da maquiagem, mas é o exemplo perfeito de um motoqueiro hippie que se torna o arquétipo comum na década que segue os acontecimentos do filme.
Na ponta disso tudo, Hardy e Butler são um show a parte. Hardy é mais uma vez quase uma força da natureza, um olhar triste e dando um duro enorme para criar esse personagem que ao mesmo tempo é um violento, selvagem e melancólico. Tudo sempre carregado de uma força e liderança, mas sem nunca conseguir ser aquele homem movido pela liberdade que viu na TV, o que o coloca em uma fragilidade que Hardy faz questão de transmitir.
O “cara da TV” é Butler. Ainda sem a qualidade de Brando, obviamente, mas entendendo o quanto seu personagem precisa ser o clichê canastrão que olha de baixo para cima e tem uma ficha corrida muito maior do que qualquer estrada que percorrem. Butler entende perfeitamente bem as necessidades de seu Benny e faz com que seus momentos mais delicados sejam de uma fragilidade que se esconde por trás do olhar e da marra, mas com o ator sempre deixando essa insegurança ir até a margem de seu personagem para erguer aquele sorriso no final com uma angustia melancólica que marca o filme.
Até porque, Clube dos Vândalos é sobre essa melancolia. Esse sentimento onde quase uma apatia vai tomando esses motoqueiros enquanto eles começam a perceber que ficaram para trás diante dessa estrada que foi ficando rápida demais para eles. Lyon enxergava essa glória, mas suas fotas são tristes (Thompson foi muito mais cínico, por exemplo). Nichols pode não ter conseguido fazer disso um filme mais firme, mas, com certeza, conseguiu passar essa sensação de desolação dos personagens. Um gosto amargo que pode fazer de Clube do Vândalos um passatempo chato, mas com uma profundidade, elegância e ternura tão grandes que o gosto amargo não sai da boca, porém deixa essa impressão de um filme maior do que se tédio.
“The Birkeriders” (EUA, 2024); escrito e dirigido por Jeff Nichols; com Jodie Comer, Austin Butler, Tom Hardy, Michael Shannon, Mike Faist, Boyd Holbrook, Norman Reedus, Damon Herriman, Beau Knapp, Emory Cohen, Karl Glusman e Toby Wallace.