Vindo da Ucrânia, Como Está Katia? é um filme tenso que no início parece ser mais um sobre as injustiças do mundo, mas que aos poucos vai descolorindo sua realidade dramática, drenando nossos sentimentos. Logo vemos um mundo onde, apesar do egoísmo não ser desejável nos membros de uma sociedade, ele acaba se revelando inevitável ou talvez até necessário.
“Exceto para a mãe de Katia”, você diria, caro, leitor, humano como eu, e portanto disposto automaticamente a defender o lado mais fraco. Porém, o que não está no script é que nem sempre o lado mais fraco é o que inspira nossa solidariedade. Não se observarmos de maneira totalmente racional. Cada um possui sua agenda. Às vezes é difícil se desvencilhar de sua ideologia, mas faça um esforço. Se coloque no lugar de todos os envolvidos.
A história é simples e direta: Anna (Anastasiya Karpenko) é uma médica de primeiros socorros e tem sua filha (a Katia do título) atropelada por uma adolescente, a filha de uma política eminente, ela agora precisa decidir entre o sistema de vingança judiciário que colocará a jovem rica na gaiola por uns 2 a 3 anos ou aceitar de bom grado um acordo financeiro que irá resolver boa parte dos seus problemas em família, além dos problemas de publicidade da tal política. Ela pondera sobre isso até o momento que sua filha, na UTI, não resiste. E agora, sim, é sobre “justiça”.
A pintura nua da realidade no filme acaba se tornando bem cruel. Como Está Katia? faz questão de caminhar por todas as relações da heroína: mãe, irmã e até o amante com família. Tudo para extrair, ou melhor dizendo, drenas as cores de sua realidade. No final não sobra nada. As sombras dominam este drama com todas as forças e não há forças para suportar o cálculo objetivo de uma equação em que a morte de uma criança está na balança.
Não se busca mostrar os dois lados de uma maneira simplista, mas escancarar a desesperança de um sistema não injusto, mas humano, e portanto falho. Note como todos neste drama estão seguindo seus instintos mais primitivos, o mecanismo de autoproteção. É isso o que mais dói: é um mecanismo. E as engrenagens que o fazem girar são impessoais. A sensação de não conseguimos fazer nada a respeito é o que faz com que a fotografia do filme seja tão drenada de luzes, exceto as luzes piscantes da ambulância de Anna que percorre as redondezas em busca da próxima fatalidade.
Como Está Katia é sobre nosso pior lado como sociedade: o distanciamento social metafórico. Ninguém é responsável pelo próximo em uma democracia capitalista, a ficção doentia de que cada um de nós faz parte do mesmo povo. Seja na Ucrânia, no Uzbequistão ou qualquer outro país.
“How Is Katia?” (Ukr, 2022); escrito por Natalia Blok, Julia Gonchar e Serhii Kastornykh; dirigido por Christina Tynkevych; com Aleksey Cherevatenko, Yurii Felipenko e Anastasiya Karpenko.
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