Conclave | Você não sabia que precisava dessa história

Você não sabia que precisava de um filme sobre um conclave até assistir Conclave, novo filme de Edward Berger depois de seu magnífico trabalho em Nada de Novo no Front. Na verdade, Conclave é ainda uma adaptação do best-seller de Robert Harris. Portanto, muito provavelmente, o mundo não sabia que queria estar dentro desse momento único da religião católica até o autor entregar esse livro para o mundo.

E esses muitos detalhes não é uma exposição simples e sim uma prova de que é preciso construir um mundo para ele se tornar tão imperdível. Como se fosse colocando peças, jogada após jogada, de uma partida de xadrez. Se a ideia inicial é de Harris, é impossível não se impressionar com a precisão com que o filme é construído, tanto pela firmeza visual de Berger, quanto pela destreza narrativa de Peter Straughan, experiente roteirista de O Espião Que Sabia Demais e Frank.

A caminhada frenética que abre o filme esconde o rosto do diácono Lawrence (Ralph Fiennes), mas é tão nervosa e tensa que dita o ritmo do filme junto com a extraordinária trilha sonora de Volker Bertelmann e da montagem histérica de Nick Emerson. Cada um desses detalhes transforma algo que você achava que podia chato, melancólico e burocrático em um suspense absolutamente poderoso e arrebatador.

Lawence está quase correndo pelas ruas do Vaticano, pois acabou de descobrir que o Papa morreu e ele, como diácono, tem a responsabilidade de organizar o conclave, essa reunião que junta os cardeais do mundo sob um mesmo teto, completamente separados do mundo exterior, para escolher, entre eles próprios, o próximo Papa. E enquanto uma maioria específica não se sobressair nos votos, nada da famosa fumaça branca subindo pela chaminé da Capela Sistina anunciar o novo Pontífice.

E quando as portas se fecham, o que surge é uma trama palaciana que parece saída de algum filme vitoriano, mas que, na verdade, está absolutamente perto do nosso mundo atual. O segredo de Conclave é expor essa votação como um microcosmo do século 21 em absolutamente todos os sentidos. Todas as pressões e ideias dos dias atuais estão lá, levantadas por esse monte de padres vestindo um roxo brilhoso e com sobrancelhas enormes que parecem cobrir seus olhares com uma sombra que deturpa qualquer tipo de verdade. Absolutamente todos no conclave parecem ter intenções maiores ou diferentes daquela humildade pacífica de suas palavras sussurrantes pelos corredores.

As forças políticas desses cardeais são a provação máxima de Lawrence, que, mesmo vindo de uma crise de fé, precisa repensar e enfrentar uma isenção que ele acreditou que tinha. Na sua posição de não poder interferir no processo, logo descobre que terá que seguir aquilo que é esperado que se faça diante dos perigos iminentes.

Berger faz isso tudo ir desconstruindo Lawrence enquanto não esconde o final óbvio (pelo menos o primeiro deles!). Conclave (o filme) é então a destruição de uma figura que surge impecável depois de correr pelo Vaticano na primeira cena. Cada mentira (e verdade) que surge vai arranhando essa imagem e desarrumando o personagem de Fiennes física e psicologicamente.

Por trás da câmera, todos cumprem tão bem seus papéis e estão tão em sintonia que Conclave é quase um thriller onde as cenas de ação, na verdade, são esses diálogos cortantes e tão impecavelmente ácidos e cheios de camadas escondidas que cada linha é uma surpresa.

O cuidado de Berger em valorizar cada detalhe, anel e tradição do processo cria um mundo onde até o menor dos ruídos e desvios parece sujar esse mundo que soa imaculado, mas é um baile de influências e leves corrupções que fazem até as maiores corrupções parecerem um pequeno pecado maquiavélico.

No meio disso tudo, além de Fiennes, John Lightgow, Sergio Castellito, Stanley Tucci e Lucian Msamati são um show a parte cada vez que qualquer um deles tem a oportunidade de desenvolverem as complexidades de seus personagens. Do lado feminino, Isabella Rossellini tem poucas falas, mas tantos olhares que sua presença parece tão importante quanto a de qualquer outro personagem do filme.

Para qualquer lado que você olhe para Conclave, essa é a impressão: perfeição. Tudo é tão impecável e colocado no seu lugar exato que parece uma daquelas pinturas que estão espalhadas pelo Vaticano. E do mesmo jeito que cada um dessas obras não é nunca apenas um monte de pinceladas e tinta, Conclave é o melhor jeito possível de você imaginar o quanto de história há por trás daquele fumaça branca.

Você não sabia que precisava acompanhar um conclave, até assistir Conclave.


“Conclave” (UK/EUA, 2024); escrito por Peter Straughan, a partir do livro de Robert Harris; dirigido por Edward Berger; com Ralph Fiennes, Jacek Koman, Lucian Msamati, Stanley Tucci, John Lithgow, Brian F. O´Byrne, Isabella Rossellini, Rony Kramer, Sergio Castellitto e Carlos Diehz.


Trailer do Filme – Conclave

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