Por Vinicius Carlos Vieira em 31 de Outubro de 2011
Em certo momento de Contágio, novo filme de Steven Soderbergh, Laurence Fishburne afirma que “nenhum vírus é mais perigoso que a informação”, mas, talvez muito mais ameaçador que esses dois elementos, esteja a própria humanidade, e o diretor ganhador do Oscar por Traffic não só tem certeza disso, como faz questão de esfregar na cara de todos que entrarem no cinema.
É lógico que Contágio é sobre esse vírus que assola o planeta de modo devastador, mas isso só como uma desculpa para contar a história dessas pessoas, geograficamente afastadas, mas completamente juntas ao terem que lidar com esse perigo real demais. E é isso mesmo, mais que qualquer coisa, Contágio é verossímil demais para passar despercebido, como um soco no estômago.
Voltando com seu enorme controle sobre múltiplas linhas narrativas, Soderbergh, a partir do sensacional roteiro de Scott Z. Burns (que trabalhou com o diretor no subestimado O Desinformante), vai em busca dessa trama globalizada, mas que mostra que, de verdade, todos estamos em uma verdadeira aldeia, em que o “morcego errado encontra com o porco errado” em Hong Kong e, em menos de um ano, todo planeta acaba vivendo essa realidade pós-apocaliptica, onde nem sempre o certo ou o errado existem de verdade.
Diante disso, Soderbergh é pessimista (mas cruel e real) ao pontuar seu filme com grandes metrópoles, suas populações e os dias de contágio, como uma contagem regressiva diante do inevitável, enquanto olha para esse punhado de personagens obrigados a lidar com essa doença dos jeitos mais diferentes. Assim como fez em Traffic (e por que não em Full Frontal, mesmo o filme sendo uma bomba) Soderbergh pinta esse mosaico e obriga o espectador a dar um passo para trás antes de tentar olhar o quadro completo.
De perto, tudo parece borrado e confuso, como se não deixasse espaço para nenhum personagem fazer o que realmente sente que é o certo, sempre esmagados por uma obrigação moral, uma barreira concreta ou invisível que lhes impede de tomar a decisão mais acertada. Para isso, Soderbergh é frio e calculista como o esguicho de sangue da autopsia de um dos personagens e o modo como o legista parece nem ligar para aquilo, assim como o diretor, que parece ser sempre essa testemunha que talvez não quisesse estar ali, mas se sente obrigada a olhar direto para aquilo, para aquelas ruas que parecem terem sido deixadas para trás, para as atrocidades de uma humanidade que parece incapaz de lidar com essa situação sem permitir que tudo possa dar um passo em direção ao mais puro terror.
Nesse caminho em busca da imparcialidade, Soderbergh ainda parece caçar com unhas e dentes todos os lados e variáveis dessa equação, como o pai que é obrigado a lutar pela saúde da filha, mesmo estando no olho do furacão, ou o lado das Agências Oficiais, que, mesmo trancafiadas à imagem de vilãs pela população, precisam trabalhar por essas pessoas, mesmo desacreditadas. Contágio não se esconde por trás de “injustiçados” e vai em busca dessas pessoas que, mesmo diante da tragédia, escolhem seu próprio caminho, não vilões, já que, talvez o filme tenha apenas um vilão, mas sim rumos diferentes e movidos por idéias que nem sempre são facilmente entendidas.
Mas Soderbergh não parece nem se esforçar para entender ou esfregar na cara das pessoas essas situações, eles simplesmente às apresenta e deixa que seu espectador às julgue.
Para que tudo isso funcione, sem dar mais atenção para esse ou aquele, Soderbergh segue a lição de seu ganhador do Oscar, aplica um punhado de filtros (ele mesmo, já que também é o diretor de fotografia) para diferenciar tudo, tanto geograficamente como em termos de emoção. É fácil perceber o que cada personagem sente diante das luzes estouradas e da frieza azulada que rodeia Laurence Fishburne e suas decisões cerebrais e isentas, assim como cria esse lado sem cores para olhar para a situação irônica e incômoda de Matt Damon, vivo e saudável, mas diante da obrigação de se esconder da morte que lhe atingiu, preso àquela casa, àquelas lembranças e à esperança de sua filha. É lógico que tal subterfúgio parece pueril e obvio, mas nas mãos de Soderbergh se transforma em uma ferramenta narrativa segura e funcional.
Mas não só de filtros sobrevive a competência de Soderbergh, que talvez tenha como principal arma a segurança com que consegue deixar suas estrelas à vontade e aproveitar isso para criar esses arcos narrativos que precisam de pouco para serem o que são. É extremamente fácil e poderoso entender, e preencher toda história, do faxineiro vivido por John Hawkes (de O Inverno da Alma) com apenas três oportunidade na frente das lentes de Soderbergh, duas linhas de texto e três olhares que contam muito mais que um longa metragem inteiro.
É lógico que sem a segurança de uma lista de atores de dar inveja a qualquer filme (em um resumo rápido, é fácil perceber que a enorme maioria do elenco principal ou tem um Oscar em sua prateleira ou conta com uma indicação em seu currículo), Soderbergh tivesse muito mais dificuldade em contar todas essas histórias, mas o seu material humano é tão rico e impressionante que, sem dúvida nenhuma, “Contágio” tem o que poderia ser lembrado, por muitos anos, como o elenco dos sonhos de qualquer filme. Na ponta de tudo isso talvez esteja a consistente e impressionante presença de Matt Damon, tremendamente maduro e genialmente sensível, diante do papel mais complexo da trama e, não só dando conta, mas sendo um espetáculo à parte que vai fazer muita gente lembrar por muito tempo da apatia com que seu personagem recebe a notícia da morte da esposa, como se estivesse sendo esmagado pela situação inteira.
Talvez seja então essa sensibilidade de se deixar levar por essas atuações, rivalizando com um ritmo tremendamente eficiente e rápido, acompanhando a rapidez do vírus, graças à montagem do experiente em multitramas Stephen Mirrione (Babel, 21 Gramas e o próprio Traffic entre outros), que permita que Soderbergh permaneça equilibrado entre essa câmera estática e essa expressiva busca pelo detalhe, pela maçaneta, pelo olhar, pelo último suspiro e por esse terror que parece surgir em cada pedacinho de Contágio, um lado desesperançoso que olha para a humanidade com crueldade, que tem certeza absoluta que (como eu disse anteriormente) não é o vírus, a vacina, a informação ou qualquer órgão do governo (muito menos o acaso) o grande vilão, mas sim o próprio medo. Que no final, até permite que o sol volte a brilhar, mas em um mundo mudado, que nunca mais será com antes.
Contagion (EUA, EAU, 2011), escrito por Scott Z. Burns, dirigido por Steven Soderbergh com Gwyneth Paltrow, Matt Damon, Laurence Fishburne, John Hawkes, Jude Law, Marion Cotillard, Kate Winslet, Anna Jacoby-Heron, Jennifer Ehle e Elliott Gould
6 Comentários. Deixe novo
o CinemAqui! aconselha que sim Alba…
fiquei na dúvida:assisto o filme ou não?
orgulhoso de ver uma discusssão civilizada em um dos posts… parabéns Patrícia e Israel….
Concordo com a suposta excessiva quantidade de informações técnicas,que para leigos é de dificil compreensão mesmo.Mas não descarto ,como futura educadora, que o filme seria um excelente material didático.
Na minha opinião a nota é 10!
só no cinemaqui você compra um crítica e recebe duas visões diferentes… valeu Israel, comente sempre, muito pertinente seu ponto de vista…
Sinceramente, achei este filme uma bomba. Do meu ponto de vista, o diretor tenta apenas mostrar o quanto estamos vivendo em mundo onde todos são vítimas de suas próprias ações, e que muitas vzs pequenos incidentes trazem mudanças avassaladoras para nossas vidas e de fato ninguém é culpado.
Diálogos desnecessários e informações técnicas demais para um filme com a temática.
Mais político do que propaganda eleitoral.
Fraco d+ num contexto geral, o filme tem 2 ou 3 cenas agradáveis e uns 4 momentos de relevância. Se vc ganhar um ingresso para ir ao cinema, vá.