Em certo momento de Corpo Presente, um dos entrevistados, que parece ser o filósofo e escritor Aílton Krenak (só aparece a voz), aponta a falta da subjetividade dos dias atuais. Como se as pessoas estivesse se afastando daquilo que não tem um significado além do óbvio ou até que não lidem bem com aquilo que é só subjetivo (parafraseando). O filme de Leonardo Barcelos é subjetivo e isso é um elogio.
Ele se vende como uma imersão, mas talvez suas intenções vão além disso. As entrevistas por trás das imagens discutem o corpo como linguagem, significado e símbolo. Pergunta “o que pode o corpo?” e responde isso por meio dessa mistura entre exposição, expressão e provocações. Ainda que experimental em seu resultado, é belo em seu movimento e objetivo em suas preocupações.
Talvez a não identificação das vozes torne Corpo Presente um pouco mais hermético e desafiador, mas seu principal questionamento passa justamente por isso, por essa vontade de fazer com que seu espectador pense no que está sendo dito e mostrado. Um sacrifício que parece consciente em termos de obra, mas que, com certeza, não conclui certas coisas que poderiam sobrepujar o subjetivo. Mas como a mensagem parece ser passada, isso pouco atrapalha.
Mas Corpo Presente, no final das contas, demonstra claramente que esse primeiro momento mais fechado em si e nas ideias menos objetivas que permitem que do lado de cá da tela as pessoas possam divagar sobre o corpo e suas questões, é seguido por claras intenções de discutir o corpo como casca daquilo que representa o ódio, negação, esvaziamento e anulação de uma sociedade que não consegue ver além dessa camada externa.
O corpo feminino é exposta para lembrar a todos o quanto ele é alvo e, ao mesmo tempo, responsável pela maior maravilha da natureza. É a partir desse feminino que Corpo Presente insere suas ideias e questionamentos antes de expandir esse reflexo. Não que se desvende além do experimental, mas vai, aos poucos, tentando entender os outros corpos. Os corpos negros e toda história de violência e presente de potência. Os corpos trans com seu presente ameaçando o futuro.
Corpo Presente tenta entender o corpo como lugar de discussão e arte. Olhando as cicatrizes e dores como parte dessa mensagem que fica grudada nesses corpos que podem ser inviabilizados e invisibilizados.
Muito provavelmente toda essa experimentação ainda ganha corpo (perdão pelo trocadilho!) com uma montagem do mesmo Leonardo Barcelos que segura firme toda possibilidade visual, delirante, performática e potente, com o significado por trás das ideias sendo discutidas pelas vozes sem donos.
Corpo Presente coloca o espectador dentro dessa experiência subjetiva e o resultado… bom, cada um que entenda o que quiser e necessitar.
“Corpo Presente” (Bra, 2024); escrito e dirigido por Leonardo Barcelos