Enquanto no primeiro filme sua verdadeira alma residia dolorida no próprio Rocky, deixando para a continuação a impressão que faltava algo além de falta de simpatia do protagonista que batizava o filme, agora, em Creed III (mantendo os algorismos romanos da série clássica), tudo fica ainda abaixo do que se poderia imaginar.
Se mesmo com Rocky nas cordas a série em seu terceiro filme (em 1982) ainda tinha fôlego para olhar para seu protagonista com um olhar mais crítico e tripudiar sobre sua falta de humildade enquanto colocava em seu caminho alguém ainda mais perigoso que seus adversários anteriores, Creed III se perde completamente tentando fugir da cópia para rodar, rodar, rodar mais um pouco e cair no mesmo lugar. O que só deixa tudo ainda mais ineficiente e repetitivo.
Adonis (Michal B. Jordan, que também dirige o filme) pendura suas luvas depois de uma carreira que o coloca na mais alta prateleira dos lutadores da história. Mas talvez isso já tivesse acontecido no filme anterior, mas ninguém se importa. A ideia aqui é acompanhar agora ele tendo que enfrentar fora e dentro dos ringues, seu próprio passado (o que também já tinha acontecido no primeiro de modo muito mais delicado).
Na verdade, seu “passado” tem 1,83 e mais ou menos 100 quilos de músculo e atende pelo nome de Demian (vivido pelo sempre ótimo Jonathan Majors), antigo amigo de juventude de Adonis e que acabou preso por uma bobagem que o próprio “Creed Jr” fez. Mas Demian cumpriu a pena e quase duas décadas depois retornar à vida normal, mas com uma ideia fixa: voltar a lutar e se tornar o campeão mundial.
Tudo bem, todo mundo gosta de uma história de azarão, ainda mais em uma franquia como a do Rocky Balboa, mas suspensão de descrença tem limites. É impossível acreditar que semanas depois desse ex-boxeador amador sair da cadeia, ainda com sua tornozeleira eletrônica ligada, consiga subir no ringue com o campeão mundial, independentemente da vontade do destino, lobby do próprio Adonis ou qualquer outra desculpa esfarrapada do roteiro. Mas ele consegue a chance, ganha o cinturão e coloca em jogo toda reputação do antigo (e agora aposentado) amigo. O resto você já sabe, da montagem paralela dos dois treinando até o nome de quem irá beijar a lona no final da contagem.
E enquanto todos acertos da série vinham de motivações maiores do que “eu sou melhor que você”, Creed III vai além. Adonis só volta aos ringues para provar para ele mesmo que ele não é covarde, ao melhor estilo Martin McFly perdendo a compostura ao ser xingado.
O Adonis de Jordan parece estar novamente preso a um problema muito menor do que seu tamanho, como se o amadurecimento de seu personagem no primeiro só lhe permitisse tomar a piores decisões quando Rocky não está perto. Pelo menos, diferentemente do segundo filme, onde era fácil torcer para o filho oprimido de Ivan “Drago”, agora é muito mais fácil desconfiar à primeira vista e logo antipatizar com a personalidade tóxica e babaca de Demian. Muito pelo personagem ser nojento, mas também bastante pelo trabalho poderoso de Majors, que mais uma vez surge no meio do elenco como uma espécie de força da natureza, cheio de raiva e uma violência que o coloca como o vilão perfeito para um Adonis meio apático. Infelizmente a luta dos dois só ocorre uma vez e Creed apanha pouco, o que é sempre uma pena.
Já do outro lado da câmera, Jordan estreia como diretor e não faz tão feio quanto o resultado do filme. Mesmo sem conseguir imprimir um estilo seu, dá conta das cenas comuns e faz a história seguir sem grandes problemas, sempre com uma objetividade econômica e que ajuda o filme a se encontrar dentro de suas intenções. Talvez exagerando um pouco demais nos slow motions com cara de animação japonesa ruim, uma ideia que se repete demais e acaba se enfraquecendo sozinha. A decisão estética da última luta e o cenário vazio meio esfumaçado também soa meio brega, piorando ainda mais com os cenários do passado deles surgindo no ringue como uma metáfora visual que não sabe ser sutil. O resultado não é desastrado e desgastante, juntamente, pois no resto do tempo sua câmera opta pela ausência de firula e decisões muito mais maduras. Um equilíbrio que acaba pendendo para o acerto, mas ainda assim muito pouco para salvar o filme.
Não salva o filme e demonstra o quanto essa nova franquia entrou em um buraco muito antes da original. Se ninguém mais se interessava pelo segundo filme, esse terceiro é só uma decisão ruim de não deixar a série sobreviver até o final dos rounds. Lá atrás, no primeiro, onde ainda tinha Ryan Googler na direção, Stallone repetindo seu papel de Rocky, Adonis tentando entender seu lugar nesse mundo e Apollo sendo lembrado como uma lenda e com todo respeito e emoção que merecia. O que sobra agora é só um péssimo uso de seu nome e dos algorismos romanos.